Há 20 anos, a empresa de brinquedos Mattel fabricou a primeira Barbie falante. No repertório da boneca, estava a frase “as aulas de matemática são difíceis”. Em 2010, a empresa lançou a 126ª edição da linha de profissões da Barbie e a carreira escolhida naquele ano em votação pelo público foi engenheira de computação, a primeira profissão da área de exatas atribuída à boneca – bem ou mal, tida como exemplo para muitas meninas.
Fora as preferências lúdicas da infância de cada um e a carga sexista que carrega a boneca norte-americana, a história reflete uma mudança da sociedade em relação à participação das mulheres nas ciências exatas, como a matemática, a física e a engenharia. Áreas que não eram vistas como ‘coisa de menina’, cada vez mais chamam a atenção das mulheres.
De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (Inep), nos últimos dez anos houve um aumento de cerca de 54% no número de mulheres brasileiras que se formaram em engenharia eletrônica, 45% nas formadas em engenharia de produção e 30% em engenharia química e engenharia civil.
Mas quando olhamos para os números mais de perto, vemos que a parcela de mulheres nas chamadas ‘ciências duras’ ainda está longe de se equiparar à de homens. Se, nas ciências em geral, as mulheres já são 50% dos pesquisadores em atividade no Brasil, nas áreas exatas são apenas 30% e, nas engenharias, 26%, de acordo com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
A diferença começa já na escolha dos cursos universitários. Segundo um levantamento do Inep feito no ano passado, as mulheres respondem por somente 5% das matrículas na área de engenharia e 3,7% nas áreas de física, matemática e ciências da terra.
Para a física Vera Soares, secretária de articulação institucional e ações temáticas da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM) da Presidência da República, essa discrepância se deve a fatores históricos, culturais e sociais.
“A família, a escola, a televisão, tudo que conforma a nossa sociedade passa a ideia de que as mulheres não estão aptas para a matemática ou não têm compleição para as ciências que exigem raciocínio lógico mais forte”, comenta. “Essa ideia cria um lugar específico para a mulher no mercado de trabalho e na ciência também.”
O discurso das aptidões por gênero de que fala Soares se reflete também no sentido contrário. Se falta participação feminina nas áreas exatas e nas engenharias, sobra nas áreas mais ligadas às humanidades. Segundo o Inep, no ano passado, as mulheres representaram mais de 90% das matrículas em cursos de graduação como serviço social, ciências da educação e enfermagem.
“Existe essa concepção popular de que cabem às mulheres as profissões mais ligadas ao cuidar, como se houvesse uma diferença biológica que justificasse essa escolha, como se as mulheres não fossem capazes de pensamentos mais abstratos”, comenta Suani Pinho, física da Universidade Federal da Bahia e integrante da Comissão de Relações de Gênero (CRG) da Sociedade Brasileira de Física (SBF). “Mas o que observo é uma variedade muito grande de aptidões independentemente do gênero e uma grande falta de estímulo às meninas. Eu mesma quando era criança nunca ganhei um laboratório de química ou física de presente, por exemplo.”
Um estudo recente – ainda não publicado – da Universidade de Columbia (Estados Unidos) mostra bem os efeitos que pode ter o preconceito existente de que as mulheres não servem para as áreas exatas. Em um experimento que simulou a contratação de candidatos para uma vaga de trabalho em que a matemática era um requisito, tanto homens quanto mulheres se mostraram duas vezes mais propícios a escolher homens para o cargo quando a escolha foi baseada apenas na aparência, sem dados sobre o currículo ou as aptidões dos selecionados.
A pesquisa mostrou ainda que, mesmo quando os candidatos podiam exibir seus dons matemáticos e resolver equações com a mesma habilidade, a escolha pelo profissional masculino era mais recorrente.
Incentivo em várias frentes
Para mudar esse cenário, várias inciativas estão em curso. No final do ano passado, a SPM lançou – junto com o CNPq, a Petrobras e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – o primeiro edital voltado para fomentar o interesse feminino nas áreas de exatas, computação e engenharias por meio de uma chamada pública de projetos que envolvessem meninas estudantes de ensino médio e professores de graduação.
Mais de 500 propostas foram recebidas e mais de 300 selecionadas. São projetos de iniciação científica em áreas como engenharia de software, robótica, física e engenharias química, mecânica, elétrica e de transporte.
Cerca de 900 alunas de ensino médio de escolas públicas de 25 estados no país serão contempladas com bolsas que totalizam 10 milhões de reais. As jovens passarão 18 meses sob a orientação de professores universitários em contato com as ciências exatas. “Nosso objetivo é mostrar que as meninas podem e vão até gostar de estudar e trabalhar nessas áreas”, diz Vera Soares.
A Comissão de Relações de Gênero da SBF também aposta na educação científica como ferramenta para promover a igualdade de gênero nas ciências exatas e está preparando o livro Mulheres na Física para incentivar o interesse feminino na área. A obra, que deve ser lançada no meio deste ano, vai reunir a biografia de 15 físicas de renome, 10 brasileiras.
“As meninas e mulheres não são muito estimuladas na área das ciências exatas de modo geral, muito menos na física”, comenta Suani Pinho, que participa da elaboração do livro. “Nossa ideia é apresentar histórias bem-sucedidas que sirvam como exemplo e estímulo para quem quiser seguir na carreira.”
A Comissão também lançou um documento chamando a atenção para a necessidade de discutir a participação feminina na área e promover iniciativas que fomentem esse objetivo. O texto ressalta a importância de manter o debate sobre o assunto por meio da continuidade de eventos como a Conferência Brasileira de Mulheres na Física (CBMF), realizada pela primeira vez em agosto do ano passado.
“A exclusão de mulheres do mundo da física e das exatas em geral é um fenômeno mundial, que não vai mudar somente com o crescimento da economia”, aponta Pinho. “Por isso é fundamental manter a discussão viva e estimular a participação feminina, pois não há razão para que seja assim. Existem barreiras para a participação das mulheres e temos que reduzi-las.”
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line