Paz

 

Nem o papa, nem o presidente Lula, muito menos o pop star Bono Vox. O Comitê Norueguês para o Nobel optou pela escolha de um nome de menor projeção dentre os 156 candidatos ao prêmio da paz em 2003, e indicou a advogada Shirin Ebadi. O anúncio contempla os esforços dessa iraniana pela democracia e direitos humanos em um país governado por um regime político fundamentalista e de posturas conservadoras.

Shirin tem 56 anos e é a primeira mulher muçulmana a receber o prêmio máximo da paz. Em comunicado à imprensa, o comitê destaca que “Ebadi representa o islamismo reformado e luta por uma nova interpretação das leis islâmicas, que inclui a harmonia entre direitos humanos vitais como democracia, igualdade perante a lei e liberdade de religião e expressão”.

Mas não é só a paz e os direitos humanos que estão em jogo nessa premiação. O Nobel da paz deste ano reflete a conquista de espaço pela mulher iraniana em meio a uma sociedade tradicionalista e machista, regida pela interpretação literal do Alcorão — o livro sagrado do islamismo.

Mais de 20 anos depois da Revolução Islâmica de 1979, que instituiu o regime fundamentalista e cerceou o direito das mulheres iranianas, elas obtiveram importantes resultados na reversão do quadro de preconceito e exclusão. Por lei, elas eram proibidas de sair de casa sem a companhia do marido, exceto para visitar doentes ou ir aos cultos religiosos — nos quais eram relegadas a um espaço de menor importância. Outra regra que revelava a segregação a que eram submetidas era a proibição de ocuparem vagas no parlamento ou irem a partidas de futebol.

Hoje, essas regras já não vigoram mais, sobretudo pelo trabalho implementado por setores da sociedade que pregam o islamismo renovado, segundo o qual se podem conciliar os ensinamentos do livro sagrado com a democracia e a igualdade de direitos perante a constituição. Durante 28 anos de carreira, Shirin Ebadi conseguiu se converter em uma das mais importantes e respeitadas articuladoras desse movimento.

A advogada esteve envolvida em dois importantes processos relacionados ao cerceamento da liberdade de expressão. Em 1999, ela contribuiu para apurar os responsáveis pelos atentados ocorridos na Universidade de Teerã, que levaram à morte de vários estudantes. No mesmo período, atuou em defesa das famílias de escritores e intelectuais mortos em uma série de assassinatos premeditados. Atualmente, Shirin é responsável pela Associação para a Defesa dos Direitos das Crianças do Irã.

O prêmio surpreendeu a advogada, que se disse honrada em recebê-lo e motivada para continuar sua luta. Entretanto, a premiação de um nome do mundo mulçumano já era de certo modo esperada por especialistas. Desde o início da semana, Shirin figurava na lista de favoritos. No campo da especulação criada em torno do anúncio, Stein Toennesson foi o que mais se aproximou do nome vencedor. Diretor do Instituto de Pesquisa Para a Paz, ele chegou a afirmar à BBC: “Tenho certeza que o comitê teria preferido dar o prêmio a um muçulmano, mas não há um candidato muçulmano que, como o papa, tenha enviado uma mensagem de paz em conexão com a guerra no Iraque”.

Já que o Comitê Norueguês não pensou exatamente assim, quem comemora é Shirin Ebadi. E não é para menos: além do reconhecimento mundial e da grande exposição na mídia — que certamente ajudarão a difundir a sua causa –, ela receberá 1,7 milhão de dólares. O valor será pago na cerimônia de premiação dos vencedores do Nobel, que acontecerá em dezembro na Suécia.

Rafael Barros
Ciência Hoje On-line
10/10/03