Pela erradicação desta foto

A foto aí de cima é de 1952, mas é daquelas que poderiam estar num filme futurista-retrô. O retrato é de uma sala de um hospital nos Estados Unidos repleta de pacientes com poliomielite, doença que à época matava milhares de pessoas – em geral, crianças.

Em 26 de março de 1953, o médico e pesquisador estadunidense Jonas Salk anunciou o sucesso de seus testes com uma vacina contra a poliomielite

Em 26 de março de 1953, há exatos 59 anos, o médico e pesquisador estadunidense Jonas Salk anunciou o sucesso de seus testes com uma vacina contra a poliomielite. A lembrar: a doença, contraída pela ingestão de água e alimentos contaminados ou pelo contato fecal-oral, comum em ambientes insalubres, ataca o sistema nervoso e, nos casos mais graves, pode causar paralisia de partes vitais e a morte.

Os pacientes da imagem desenvolveram a doença de modo dramático: o sistema responsável pelo movimento respiratório foi afetado e a máquina – conhecida como ‘pulmão de ferro‘ – era a única solução; o aparelho tubular simula um ambiente de pressão negativa e positiva, que faz com que o ar entre e saia dos pulmões. Quando a paralisia chegava a esse nível, já se sabia da triste sina do enfermo: o resto da vida preso ao aparelho respiratório.

“Esse tipo de imagem consegue medir a importância que a vacina teve para o mundo”, afirma ao Bússola o biólogo Átila Iamarino, que estuda a evolução de um vírus muito menos controlado e ainda sem vacina: o HIV-1.

Iamarino comenta também a diferença entre a vacina desenvolvida por Salk – uma dose injetável do poliovírus inativado, em que o vírus perde a capacidade de causar a doença – e a de Albert Sabin, médico dos Estados Unidos que, poucos anos depois de Salk, desenvolveu a vacina com o vírus ‘vivo’ em uma versão atenuada.

A vacina de Sabin, explica Iamarino, é administrada por via oral para as crianças e, assim como a de Salk, impede que o vírus se dissemine na corrente sanguínea. Mas a vacina oral mina o vírus também no intestino, lugar em que ele costuma se multiplicar – essa atuação no trato intestinal não é garantida pela de Salk.

Diferenças

Essa diferença é importante. A vacina de Salk funciona muito bem individualmente nos pacientes, já que impede que o vírus se espalhe pela corrente sanguínea. Mas uma pessoa vacinada com ela, mesmo assintomática, pode desenvolver o vírus no intestino, passando-o adiante por meio das fezes.

Sabin, portanto, encontrou uma maneira não apenas de impedir os sintomas, mas também de erradicar a presença do vírus no ambiente com a interrupção da transmissão.

Em países mais desenvolvidos, a vacina adotada, geralmente, é a Salk

Em países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos, em que a doença está erradicada e há praticamente risco zero de o vírus reaparecer, a vacina adotada, geralmente, é a Salk. É mais barato e fácil conservar um vírus inativado e, além disso, não se lida com um dos principais problemas de vacinas que usam vírus ativados, como a Sabin: apesar de a porcentagem ser baixa – uma para cada um milhão de vacinados, diz Iamarino –, é possível desenvolver poliomielite em contato com a vacina que carrega o vírus ‘vivo’, sobretudo pacientes com imunidade baixa, fato recorrente em países mais pobres.

No Brasil, a doença está erradicada desde 1989, e por isso mesmo haverá, no decorrer dos próximos anos, a substituição da vacina de Sabin pela de Salk. Focos da doença persistem na África e na Ásia, com especial gravidade na Nigéria e na Índia, onde as campanhas de vacinação são deficientes e há relatos, inclusive, de grupos religiosos que se opõem à vacinação das crianças.  

Mesmo assim, os planos da Organização Mundial da Saúde de erradicar a doença continuam em vigor. Seja com Salk, o precursor, ou Sabin, o erradicador, evitar que haja mais fotos análogas à que abre este texto vale todo o esforço.

Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line