Da esq. para a dir.: Harald zur Hausen, Françoise Barré-Sinoussi e Luc Montagnier (fotos: Magunia/Scanpix; L.Dolega/Scanpix; DKFZ/Scanpix).
Três pesquisadores europeus dividirão o Nobel de Medicina ou Fisiologia deste ano por descobertas que associaram dois vírus a doenças de grande impacto para a humanidade.
Metade do prêmio vai para o alemão Harald zur Hausen, que mostrou que o papilomavírus humano – conhecido como HPV – é o causador do câncer do colo do útero em mulheres. A outra metade vai para os franceses Luc Montagnier e Françoise Barré-Sinoussi, que descobriram o vírus da imunodeficiência humana – HIV –, causador da Aids.
O prêmio, anunciado na manhã desta segunda pelo Instituto Karolinska, coroa a descoberta do agente responsável por um dos mais sérios problemas mundiais de saúde pública das últimas décadas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a Aids – sigla em inglês para síndrome da imunodeficiência adquirida – vitimou mais de 2 milhões de pessoas no ano passado. Atualmente, cerca de 33 milhões de indivíduos estão contaminados com o vírus HIV.
A descoberta do HIV por Barré-Sinoussi e Montagnier elucidou o agente causador de uma doença identificada no início dos anos 1980, responsável por comprometer o sistema imunológico dos pacientes. O vírus foi identificado em células humanas cultivadas pela dupla, nas quais eles detectaram a atividade de uma enzima – a transcriptase reversa – que acusava a replicação de um retrovírus. Em 1984, eles isolaram vírus obtidos em células de vários indivíduos que sofriam da síndrome.
Graças ao trabalho da dupla e de outros grupos que passaram a pesquisar o HIV, foi possível demonstrar que esse vírus era o agente causador da síndrome e desenvolver testes de diagnóstico a partir de amostras de sangue. Hoje, 25 anos após o isolamento do vírus, o estudo da Aids mobiliza milhares de pesquisadores em todo o mundo. Ainda não há cura ou vacina capaz de prevenir a doença, e o tratamento com os coquetéis de drogas que aumentam a sobrevida dos pacientes ainda precisa ser aprimorado.
A foto tirada ao microscípio eletrônico mostra partículas retrovirais emergindo de células T de um paciente infectado com o HIV. Esse foi um dos indícios que levaram Montagnier e Barré-Sinoussi a identificar o vírus (foto: Science /1984).
“Esta é sem dúvida é uma premiação merecida, que reconhece uma descoberta de suma importância para a população humana, dadas as proporções pandêmicas da Aids hoje”, avalia o biólogo Marcelo Alves Soares, chefe do Laboratório de Virologia Humana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Soares trabalhou durante um ano com Françoise Barré-Sinoussi, que foi supervisora do pós-doutorado que ele fez no Instituto Pasteur, em Paris, no ano 2000. “Françoise é uma pessoa muito séria e ativa, de caráter decisivo e veemente”, avalia o biólogo brasileiro. “Além disso, ela sempre defendeu as causas humanitárias ligadas à Aids, advogando em favor do acesso ao tratamento, especialmente pelas populações de países em desenvolvimento e com recursos limitados.”
HPV e câncer
A outra metade do Nobel deste ano reconhece os esforços do alemão que, em um estudo que contrariou os postulados da medicina dos anos 1970, mostrou que o câncer de colo do útero – o segundo mais comum entre mulheres – era causado pelo vírus HPV.
Harald zur Hausen postulou que esse vírus poderia estar por trás dos casos de câncer. Se isso fosse verdade, raciocinou, deveria ser possível identificar DNA viral integrado ao genoma das células cancerosas. Após mais de dez anos de pesquisa para comprovar essa hipótese, o alemão acabou demonstrando, no início dos anos 1980, que dois tipos do vírus – HPV16 e HPV18 – levam ao câncer.
A descoberta permitiu entender os mecanismos de surgimento do câncer ligado ao HPV e os fatores que predispõem ao desenvolvimento desses tumores. Com isso, foi possível desenvolver vacinas para combater esse tipo de câncer, que afeta hoje 500 mil mulheres em todo o mundo. A vacina está disponível no Brasil
desde 2006.
A atribuição do prêmio foi considerada “uma excelente notícia” pela bióloga Luisa Lina Villa, diretora do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, que há 25 anos pesquisa o HPV. “Nós que trabalhamos nessa área estamos todos festejando esse reconhecimento tão merecido do Harald zur Hausen, que era um forte candidato ao Nobel há vários anos”, afirma Villa. “Os trabalhos conduzidos por ele abriram as portas para grandes conquistas para a saúde humana, pois agora podemos prevenir com a vacina a ocorrência desses tumores que causam tantas mortes.”
Pesquisadores:
Harald zur Hausen nasceu em 1936 na Alemanha. Doutorou-se pelaUniversidade de Düsseldorf, em seu país, e hoje é diretor científico doCentro Alemão de Pesquisa do Câncer, em Heidelberg.
Françoise Barré-Sinoussi nasceu em 1947na França. Doutorou-se pelo Instituto Pasteur, do qual hoje épesquisadora – ela dirige a Unidade de Regulação de InfecçõesRetrovirais.
Luc Montagnier nasceu em 1932 na França.Doutorou-se pela Universidade de Paris, e hoje é diretor da FundaçãoMundial de Pesquisa e Prevenção da Aids, em Paris.
Saiba mais:
Luc Montagnier foi o entrevistado da CH 132 (outubro
de 1997). Clique aqui para reler a entrevista (77 KB).
A vacina contra o HPV foi o tema de um ensaio da CH 236
(abril de 2007). Clique aqui para reler o artigo (201 KB).
Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
06/10/2008