Ao longo de quase 25 anos de atividades em Peirópolis, bairro rural de Uberaba que guarda importantes registros fósseis, o geólogo Luiz Carlos Borges Ribeiro passou incontáveis horas em campo à procura de tesouros escondidos na região. Em setembro deste ano, estava dentro de seu carro quando recebeu por telefone a notícia de que um deles poderia estar ao alcance das mãos por obra do acaso. Há alguns meses, um visitante anônimo entregara na sede do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), em Belo Horizonte, o que poderia ser um achado paleontológico relevante. Ao ver a foto do material, o pesquisador da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) não teve dúvidas: tratava-se de dois ovos pré-históricos em ótimo estado de conservação, achado raro no país.
Por enquanto, a convicção se baseia em análises superficiais das características dos ovos, já que não houve tempo para exames aprofundados. Entretanto, as possibilidades de pesquisa empolgam os especialistas da UFTM, que anunciaram publicamente a descoberta nesta quarta-feira em uma coletiva de imprensa. “Podemos garantir que são ovos de dinossauros. A pessoa que fez a entrega disse que o material foi retirado de pedreiras de calcário do bairro de Ponte Alta [distrito a cerca de 15 km de Peirópolis], o que bate com o contexto e a morfologia dos fósseis que a gente estuda na região”, afirma Ribeiro.
Após um acordo selado entre o DNPM e a UFTM em outubro, os exemplares foram cedidos por tempo indeterminado para a coleção do Complexo Cultural e Científico de Peirópolis, que faz parte da universidade. Uma equipe formada por pesquisadores da UFTM e outras universidades brasileiras, além de um especialista argentino, devem se debruçar sobre os ovos nos próximos meses.
De acordo com aspectos morfológicos externos, os pesquisadores acreditam que há uma boa possibilidade de que os ovos sejam de titanossauros, grupo mais recorrente dentre todos os fósseis descritos em Uberaba. Essa espécie herbívora teria vivido na região no fim do último período do Cretáceo, entre 64 e 72 milhões de anos atrás. “Eles são muito semelhantes a um ovo identificado na região em 1999 e atribuído a um titanossauro. Como aquele ovo está muito amassado, não podemos afirmar com certeza, mas há 90% de chances”, explica Ribeiro.
Em busca de embriões
Os ovos têm pouco menos de 15 cm de diâmetro e, aparentemente, não eclodiram, o que aumenta as expectativas dos pesquisadores. “Existem chances de encontrar embriões ali dentro. Se houver, faremos o primeiro estudo com embriões fossilizados do país”, diz Ribeiro. A descoberta permitiria pesquisas não apenas sobre a espécie que colocou os ovos, mas sobre todos os aspectos geológicos que envolvem os exemplares.
“A estrutura delicada da casca e muitas vezes o próprio processo de eclosão fazem com que a existência de ovos completos seja um caso raro no registro paleontológico”, ressalta o geólogo Ismar Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Podemos dizer que se trata de uma preciosidade que enriquece o conhecimento acerca da história geológica da vida em nosso território”, atesta.
Os ovos deverão ser analisados por meio de técnicas invasivas e não invasivas, como a análise de lâminas com fragmentos das cascas, raio-x e tomografia computadorizada. Também está prevista uma investigação no Laboratório Nacional de Luz Síncroton, em Campinas, para ampliar os poros dos ovos descobrir como se davam as trocas gasosas entre eles e o ambiente. “Temos outros fósseis em análise e somos poucos, mas espero que possamos publicar um artigo sobre os ovos dentro de dois anos”, prevê Ribeiro.
Valorização do patrimônio fóssil do brasileiro
Além dos possíveis avanços científicos, o geólogo torce para que o achado estimule a população a valorizar a região de Uberaba, onde foram encontrados outros cinco ovos pré-históricos inteiros – os únicos do país – em 1945, 1967 e 1999, além de diversos fósseis de dinossauros. “Estamos divulgando esse achado para incentivar a comunidade a lutar pela preservação dos nossos bens culturais. O Brasil tem fósseis importantes e regiões muito ricas para o estudo paleontológico, mas pouco se fala disso nos livros didáticos, por exemplo”, avalia Ribeiro.
A trajetória curiosa do ovo pré-histórico descoberto em 1945, o primeiro da América do Sul, é um exemplo de que a sorte pode colaborar para grandes achados. Naquela época, sem saber sobre o bem precioso que tinham em mãos, operários de uma ferrovia de Uberaba o utilizaram como bola improvisada até que foram alertados por um grupo de paleontólogos que visitavam a região. Para Ismar Carvalho, os exemplares deixados em Belo Horizonte são mais uma prova do potencial do solo brasileiro. “Temos no Brasil uma ampla área de rochas sedimentares, nas quais estão representados pelo menos os últimos 600 milhões de anos de história da vida sobre nosso planeta”, lembra o geólogo, que prevê um horizonte cheio de “joias” fósseis, como pode ser o caso dos ovos que surgiram do acaso em 2015.
Simone Evangelista
Especial para a CH On-line