Profissão de fé

A Sociedade Brasileira de Entomologia (SBE) comemorou seus 75 anos de fundação em julho. Na ocasião, outra data importante para a instituição – e para a ciência brasileira – foi lembrada: o centenário do nascimento de um dos principais articuladores da SBE, o padre Jesus Santiago Moure (1912-2010).

Lembrar do centenário do padre Jesus Santiago Moure é jogar luz sobre a possibilidade de conciliação de duas áreas que muitos consideram incompatíveis: a ciência e a religião

Lembrar hoje de seu nascimento é também jogar luz sobre a possibilidade de conciliação de duas áreas que muitos consideram incompatíveis: a ciência e a religião.

Considerado maior especialista do mundo em abelhas da região neotropical, o padre foi um dos sócios fundadores da entidade. Participou também da criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal do Paraná (UFPR), da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e das principais agências de fomento à pesquisa do País, o CNPq e a Capes.

Embora paulista de nascimento, considerava-se também paranaense. Afinal, viveu em Curitiba por mais de sete décadas. Deixou a capital pouco antes de morrer em Batatais (SP), a 10 de junho de 2010.

 

Pesquisar e rezar

Durante sua longa permanência na capital paranaense, exerceu as duas atividades – o sacerdócio e a ciência – com a mesma dedicação. Mas ele não via nisso nenhum contrassenso. “A evolução, Deus criou. As leis divinas e as da ciência podem caminhar juntas.” Essa declaração lhe causou problemas com a Igreja.

Nascido em Ribeirão Preto (SP), a 2 de novembro de 1912, era homem de costumes e gestos simples. Toda manhã rezava missa na Paróquia do Imaculado Coração de Maria, em Curitiba. Pouco depois estava a postos para suas atividades no Departamento de Zoologia da UFPR, do qual foi catedrático até 1982, quando se aposentou. Mesmo assim continuou na universidade fazendo pesquisas e orientando alunos na pós-graduação.

Padre Jesus Santiago Moure
Questionário da Sociedade Brasileira de Entomologia preenchido por um de seus sócios fundadores, o padre Jesus Santiago Moure (foto). Em 2012, a Sociedade comemora 75 anos de atividades e o centenário de nascimento do padre. (imagem: Acervo Sociedade Brasileira de Zoologia)

Autodidata

Formado em filosofia e teologia, padre Moure nunca fez curso na área biológica. Foi um autêntico autodidata. O conhecimento de entomologia e botânica que adquiriu – e também dos idiomas inglês e espanhol – foi à custa de estudos exaustivos e poucas horas de sono.

Além disso, sabia matemática e física, e sempre procurava conhecer as novas tecnologias. Publicou mais de 200 artigos. O primeiro, de 1940, relata a descoberta da espécie Augochloropsis liopelte. Depois vieram mais 500 novas espécies de abelha descritas e outras 12 mil catalogadas.

Um dos grandes serviços prestados pelo padre à UFPR foi a criação dos cursos de mestrado e doutorado em entomologia

Um dos grandes serviços prestados pelo padre à UFPR foi a criação dos cursos de mestrado (1969) e doutorado (1973) em entomologia. A coleção de insetos e o acervo bibliográfico que deixou têm “valor inestimável”, segundo seus colegas.

Embora especialista em abelhas, interessava-se pela pesquisa em outros campos da entomologia. Danúncia Urban, aluna da primeira turma do curso de história natural da UFPR e primeira orientanda do padre, lembra que ele era um estudioso da natureza nas mais diversas áreas. “Formou várias escolas dentro da zoologia.”

A década de 1940 foi o auge da trajetória do padre, quando manteve intercâmbio com zoólogos da Universidade de São Paulo, do Museu Nacional do Rio de Janeiro e de outras instituições de renome do Brasil e exterior. “Foi quando se ‘doutorou’ em abelhas e se tornou o maior estudioso das Apidae no mundo”, diz o biólogo Gabriel Rodrigues de Melo, da UFPR.

Melo é o que se pode chamar de ‘o escolhido’. Hoje ocupa o espaço deixado pelo padre, a sala 395 no Centro Politécnico da UFPR. É também especialista em abelhas e, assim como ele, estuda a superfamília Apoidea. Em 2003 o pesquisador publicou um artigo em comemoração aos 90 anos do mestre.

Clique no ícone a seguir para ler um perfil do padre Jesus Santiago Moure publicado na CH 61 (janeiro/fevereiro de 1990) PDF aberto (gif)

Katy Mary de Farias
Especial para Ciência Hoje On-line/ PR