Programa animado

A septuagenária Branca de Neve de Walt Disney e o jovem Woody de Toy Story dividem a atenção do público junto com outras centenas de animações na mostra ‘Movie-se: no tempo da animação’, em cartaz no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro, até abril. Filmes dos primórdios da animação e produções contemporâneas ficam lado a lado nessa exposição que pretende mostrar que desenho animado é muito mais do que diversão para crianças.

Organizada pelo Barbican Centre de Londres, a mostra foi inaugurada em 2011 e já passou por Canadá e Japão levando ao público mais de 100 filmes de animação. Diferentemente de um festival, o público não precisa de hora marcada para assistir a sessões. Dezenas de telas espalhadas pelo salão convidam o visitante a sentar e ver o que quiser, quando desejar.

Entre as preciosidades do acervo estão os primeiros filmes de animação, como Humurous Phases of Funny Faces (1906), cartoon mudo de J. Stuart Blackton, que explora as expressões faciais por meio de desenhos em um quadro negro, e Gertie, a dinossaura (1914), de Winsor McCay, considerada a primeira animação com personagem. A exposição também traz alguns itens da produção de animações. Bonecos e rascunhos do longa Toy Story são o destaque.

“O propósito não é fazer uma linha do tempo, mas sim um apanhado consistente da animação”

Os filmes e objetos da mostra não estão divididos por ordem cronológica. A curadoria optou por separar o acervo em seções temáticas e foi incluída na versão brasileira uma sala com trechos de animações nacionais, incluindo nosso primeiro longa animado, Sinfonia amazônica (1953) , de Anélio Latini Filho.

“O propósito não é fazer uma linha do tempo, mas sim um apanhado consistente da animação”, diz o curador da exposição, Greg Hilty. Apesar de não seguir uma ordem histórica linear, ficam visíveis algumas tendências ocorridas na história da animação. Uma delas é o contraponto entre técnica e narrativa apresentado na seção com filmes dos primórdios da animação (‘Aparições’) e na de histórias clássicas (‘Fábulas’).

Confira visita do ‘sobreCultura+’ à exposição

Reflexões em movimento

“As primeiras animações tinham um caráter de experimentação”, conta a coordenadora de produção da mostra no Brasil, Ania Rodriguez Alonso. “Na animação O nascimento de uma flor (1910), de Percy Smith, por exemplo, vemos uma flor desabrochando em ritmo acelerado. Para conseguir esse efeito, hoje já bastante explorado, o animador teve que tirar centenas de fotos em diferentes momentos e compô-las em uma sequência que deixa evidente o encantamento por conseguir subverter o tempo da natureza.”

Se nas primeiras animações do início do século 20, grande parte da preocupação dos autores era explorar a técnica, isso começa a mudar nos anos seguintes. Com diferentes métodos de dar movimento a objetos inanimados já dominados, a narrativa ganha mais atenção.

Nesse movimento, surgem filmes como o alemão As aventuras do príncipe Achmed (1926), primeira animação em película, que conta histórias da obra árabe As mil e uma noites, usando sombras de silhuetas recortadas em papel.

As aventuras do príncipe Achmed
O longa-metragem ‘As aventuras do príncipe Achmed’, de 1926, da animadora alemã Lotte Reiniger, usa silhuetas recortadas em papel para recontar ‘As mil e uma noites’. (imagem: CCBB)

“A animação acabou sendo um veículo para recontar histórias tradicionais, com técnicas ancestrais, como desenho, bonecos e sombras, que abrem espaço para o folclórico em pleno mundo urbanizado do século 20”, observa Rodriguez Alonso.

Precursora do cinema

A animadora Cláudia Bolshaw, coordenadora do Núcleo de Arte Digital e Animação (Nada) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), acredita que a exposição vai dar o destaque merecido à animação.

“Todos reconhecem o cinema como arte, mas nem todo mundo sabe que as experiências dos primeiros animadores propiciaram a criação do cinema”

“Todos reconhecem o cinema como arte, mas nem todo mundo sabe que as experiências dos primeiros animadores propiciaram a criação do cinema”, diz, fazendo referência às primeiras sequências de animação criadas com aparelhos como o fenaquistoscópio, que se aproveitam do fenômeno ótico da persistência da retina para criar a ilusão de movimento, mais tarde também aproveitada no cinema, que se vale de fotografias (ver ‘Filha da ciência, mãe do cinema’).

Ania Rodriguez Alonso concorda e lembra que a animação é um elemento cada vez mais presente e relevante na nossa sociedade. “Com as novas tecnologias da computação, a animação se expandiu incrivelmente, hoje qualquer um pode ter um programa de edição e criar uma animação”, aponta. “Ela já está inserida no nosso cotidiano e de maneira tão influente que é importante não só contemplá-la, mas pensar sobre ela. E é isso que queremos com essa exposição.”

Filha da ciência, mãe do cinema
Ciência e animação têm uma longa relação. O ‘pai’ da animação foi o fisiologista belga Joseph-Antoine Plateau, que, em 1832, inventou a primeira máquina de desenhos animados enquanto estudava o funcionamento da retina humana. Plateau foi quem mediu pela primeira vez o tempo da persistência retiniana, mecanismo que nos permite enxergar movimento em uma sequência de imagens paradas. Ele percebeu que entre a captura da imagem por nossos olhos e o processamento dela pelo cérebro existia um intervalo que gerava a ilusão da animação de figuras estáticas. O fisiologista calculou esse tempo e construiu, para fins científicos, um dispositivo chamado fenaquistoscópio, que animava desenhos feitos à mão e que logo foi incorporado pelos artistas. Na época, a fotografia ainda era incipiente e a substituição de gravuras por fotografias só foi acontecer anos mais tarde, em 1895, quando os irmãos Lumière deram à luz o cinema. 

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line