Proibição seria atraso científico para o Brasil

Estágio embrionário no qual surgem as células-tronco
(blastocisto)

Um grande atraso científico e tecnológico ameaça o Brasil: essa seria a maior conseqüência da aprovação da Lei de Biossegurança que está em trâmite no Senado. O projeto proíbe a pesquisa com embriões humanos e poderia impedir pesquisas promissoras com células-tronco. Muitos cientistas têm se pronunciado contra o projeto. Na Reunião Anual da SBPC, a geneticista Lygia da Veiga Pereira, professora da Universidade de São Paulo, explicou por que a aprovação da lei seria prejudicial para a ciência brasileira. Leia os principais trechos da entrevista que ela deu à imprensa.

Por que o Brasil deveria liberar a pesquisa com embriões humanos?
As células-tronco embrionárias são uma realidade. Aprendemos nos últimos 20 anos que elas são um material de pesquisa riquíssimo para a ciência básica e aplicada. O Brasil vai ficar para trás se vetar a pesquisa com essas células. Uma proibição tão radical como a que está no projeto da Lei de Biossegurança geraria um importante atraso científico e tecnológico dentro de uma área tão quente e promissora quanto a medicina regenerativa. Estudos com células embrionárias podem se refletir mais tarde em pesquisas aplicadas com impacto importante em várias áreas da saúde.

O que representaria a aprovação do projeto de lei em trâmite no senado?
O Brasil passou tantos anos investindo na formação de pesquisadores e centros de pesquisa capacitados… Será muito grave se o texto do projeto for aprovado como está. Perderemos a possibilidade de atrair pesquisadores de outros países que não permitem esse tipo de pesquisa e teremos que assistir essas coisas acontecerem em outros países.

Como avaliar esse projeto de lei?
O projeto está baseado fundamentalmente em aspectos religiosos, de credo de que aquilo é uma vida e não pode ser destruída de forma nenhuma.

E onde começa a vida?
Um feto tem um potencial de vida infinitamente maior do que um embrião de uma célula. Na natureza, um embrião que se desenvolve até o estágio de um blastocisto só tem 30% de probabilidade de vir a se desenvolver em um bebê. Há uma perda natural. Mas não sei dizer onde devemos colocar a linha a partir da qual é inadmissível destruir esse potencial de vida. O embrião humano não é um material biológico trivial: não vou colocá-lo na mesma classificação do que células de sangue ou de pele, mas não é adequado torná-lo intocável, dar a ele tanto direito como vida quanto a cada um de nós. Temos que arranjar um meio termo.

Que meio termo seria esse?
O que propomos é utilizar aqueles embriões que morfologicamente não seriam utilizados para reprodução. Eles foram gerados, mas a probabilidade de darem origem a uma gravidez é mínima ou quase nula. Isso seria uma forma balanceada de se tratar essa questão. Existem embriões e embriões.

Qual foi a participação dos cientistas na elaboração do projeto?
Os cientistas foram ouvidos na elaboração do projeto, mas não nos bastidores. Fica óbvio que eles não tiveram uma atuação muito grande, porque o projeto tem incoerências científicas — ao mesmo tempo que proíbe a destruição de embriões, permite a clonagem terapêutica.

A sociedade também deveria ser ouvida sobre essa questão?
O debate deveria envolver a sociedade como um todo, mas uma sociedade bem informada. O grande desafio do cientista é mostrar o que estamos fazendo de forma inteligível para a população, assim ela pode assumir uma posição. É fundamental informar e explicar as vantagens e limitações, para os parlamentares e para a população. O que não pode é haver manipulação de informação.

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
19/07/04