Os distúrbios de ansiedade são cada vez mais comuns: estimativas indicam que cerca de 30% das pessoas sofrem ou irão sofrer desse tipo de transtorno. Para compreender melhor os circuitos neurais responsáveis pela ansiedade, pesquisadores do Laboratório de Neurociência Comportamental (Lanec) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) desenvolveram duas linhagens de ratos, uma capaz de simular a manifestação desse quadro em humanos e outra que imita as reações de não portadores do distúrbio. Pesquisas feitas com esses animais têm sido usadas para avaliar os efeitos dos tratamentos normalmente empregados contra esses transtornos.
Segundo o neurocientista Jesus Landeira Fernandez, diretor do Núcleo de Neuropsicologia Clínica e Experimental da PUC-Rio, que abriga o Lanec, a ansiedade faz parte do sistema de defesa do ser humano e dos demais animais a situações de perigo e, em certa medida, pode ser benéfica. “Existe um nível ótimo de ansiedade que melhora o desempenho do indivíduo nas tarefas e que varia conforme a complexidade da atividade; mas quando esse ponto é ultrapassado, sempre há prejuízos”, disse o pesquisador em conferência na 64ª Reunião Anual da SBPC, em São Luís (MA).
Landeira Fernandez apresentou resultados de pesquisas na área de neurociência do comportamento feitas por ele ao longo de 20 anos e que confirmam a existência de vários tipos de transtornos de ansiedade, o que se deve ao desenvolvimento de diferentes sistemas de defesa pelo sistema nervoso.
Ele explicou que estímulos de perigo distais (que representam claramente uma situação de perigo, mas deixam uma chance de sobrevivência) ativam o chamado sistema motivacional de medo, que produz reações de congelamento e analgesia – efeito importante para que o indivíduo consiga permanecer imóvel. Já os estímulos de perigo proximais (caracterizados por uma ameaça externa direta) ativam o sistema motivacional de dor, que gera uma resposta de explosão.
“O mau funcionamento do sistema motivacional de medo produz ansiedade e o mau funcionamento do sistema motivacional de dor produz pânico”, afirmou o pesquisador, explicando que o ataque de pânico caracteriza-se por grande ansiedade e medo de morrer e de ficar maluco. “A ansiedade é a manifestação patológica do medo e o pânico é a manifestação patológica da dor”, completou. Esses sistemas podem se relacionar: ao produzir analgesia, o medo inibe a dor; já a dor ativa o medo. Da mesma forma, a ansiedade inibe o pânico e o pânico ativa a ansiedade.
Seleção genética
A equipe do Lanec desenvolveu um novo modelo animal para o estudo dos transtornos de ansiedade generalizada. Trata-se de duas linhagens de ratos, chamados Cariocas de Alto Congelamento (CAC) e Cariocas de Baixo Congelamento (CBC), geneticamente selecionados para apresentar, respectivamente, alta e baixa reação de ansiedade a estímulos de perigo.
Para criar as linhagens, os pesquisadores separaram, em um grupo de 120 ratos, aqueles que naturalmente apresentavam reações de alto congelamento quando expostos a situações de perigo daqueles em que essa resposta era baixa. Os animais com reações de alto congelamento são aqueles que reagem de forma intensa mesmo quando o estímulo de perigo não é tão grande.
Em seguida, colocaram cada grupo para acasalar entre si. “O êxito na diferenciação da linhagem ocorreu após três gerações”, contou Landeira Fernandez, acrescentando que hoje os animais já estão na sua 14ª geração.
Esses ratos geneticamente selecionados foram usados para avaliar os efeitos das medidas empregadas atualmente para tratar os transtornos de ansiedade, que podem ser farmacológicas ou psicológicas. Nesse último caso, usa-se um procedimento chamado de extinção, em que o indivíduo é colocado na situação que lhe causa medo para que perceba que essa sensação não se justifica.
Segundo o neurocientista, as pesquisas mostram que o tratamento psicológico é capaz de reduzir a resposta de ansiedade mesmo em animais programados para apresentar alto congelamento. Mas essa reação é apenas inibida, as causas do transtorno não são eliminadas e continuam latentes. “Se os animais são colocados em nova situação de perigo, aqueles com reação de alto congelamento voltam a apresentar um nível de ansiedade maior que o dos outros.”
Em relação ao tratamento farmacológico, feito com medicamentos chamados antagonistas serotonérgicos, os estudos mostraram que seu uso em animais que apresentam baixa ansiedade pode resultar no aumento dessa resposta.
Landeira Fernandez enfatizou que esses resultados mostram a importância da realização de um bom diagnóstico do transtorno de ansiedade antes da opção pela administração de medicamentos a pessoas que procuram ajuda médica.
Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line