Quando tamanho é documento


À primeira vista, a nanotecnologia parece bastante promissora. Mas o conjunto de técnicas que permite manipular a matéria em nível molecular vem ampliar a já infindável lista de descobertas científicas que suscitam o protesto de grupos sociais organizados. O Grupo de Ação em Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC Group) justificou, em evento paralelo da COP8, sua posição contrária ao avanço das aplicações da nanociência.

Por nanotecnologia entende-se o uso de técnicas de manipulação de estruturas em escala nanométrica, ou seja, de medidas de 1 até 100 milionésimos de milímetro. Para se ter uma idéia, um fio de cabelo tem aproximadamente 80 mil nanômetros (nm) de espessura. Essa nova área científica permite modificar elementos químicos e criar outros até então inexistentes na natureza. Por meio da nanotecnologia, hoje é possível reconstruir compostos naturais, orgânicos ou não, átomo por átomo.

Logo que surgiram os primeiros resultados de pesquisa na área, dezenas de empresas de vários ramos se interessaram pelas possíveis aplicações das novas e promissoras técnicas. De bebidas inteligentes, que mudam de sabor de acordo com a exposição a determinada freqüência de onda, a cremes faciais com nanocápsulas que penetram na pele e aí liberam seu conteúdo, passando por pesticidas que não reagem com o organismo humano e vacinas que não precisam ser aplicadas por meio de agulhas, diversas inovações ‘milagrosas’ proviriam dessa tecnologia. 

Hope Shand, diretora de pesquisa do escritório norte-americano do ETC Group, ao lado de James Thomas, gerente do programa de pesquisas da mesma instituição (fotos: Célio Yano).

“O grande problema, do ponto de vista técnico, é que não há estudos suficientes que indiquem o grau de risco desses novos produtos”, diz James Thomas, gerente do programa de pesquisas do ETC Group. Segundo ele, a reatividade dos compostos manipulados em escala nanométrica é muito maior, e os cientistas ainda não estão preparados para lidar com essa nova realidade. Thomas citou pesquisas que já teriam demonstrado o potencial de penetração de nanopartículas em tecidos do globo ocular, pulmão e intestino.

 

A indústria aguarda ansiosamente pela chegada da tecnologia dos nanotubos de carbono, que acena com a possibilidade de criação de produtos inovadores em diversas áreas. O carbono é mais resistente que o aço e seis vezes mais leve que essa liga, podendo ainda, a depender da forma de produção, funcionar como semicondutor ou isolante. Mas, segundo o grupo, alguns trabalhos levam a crer que os nanotubos feitos desse material oferecem riscos ainda maiores.

 

Estudo feito pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos com camundongos expostos a nanotubos de carbono mostrou que vários animais desenvolveram problemas cardíacos e coronários. Quando injetados no pulmão de ratos, os nanotubos causaram lesões que levaram alguns indivíduos à morte. Outro estudo revelou que nanoesferas ocas de carbono (as chamadas buckyballs

), quando lançadas em tanques com água do mar, desencadeiam danos cerebrais em diversas espécies de peixe.

 

Mas a conseqüência mais polêmica está relacionada com o comércio mundial. Segundo a cientista social Hope Shand, diretora de pesquisa do escritório norte-americano do ETC Group, a nanotecnologia provocará enorme impacto na economia dos países em desenvolvimento. A chamada Little Bang

deverá aumentar ainda mais a concentração de renda nas mãos das populações mais ricas.

 

O motivo é o desenvolvimento, a partir da nanotecnologia, de borracha e algodão sintéticos, por exemplo, com as mesmas texturas dos produtos convencionais e muito mais resistentes. “A demanda por produtos naturais tenderá a cair vertiginosamente, e países como Tailândia, Índia, Malásia e Indonésia, que dependem da borracha, e nações africanas cuja economia se baseia no cultivo e na exportação de algodão, serão drasticamente prejudicados”, afirma Shand.

 

Além disso, cria-se uma possibilidade de registro de patentes jamais vista. Os processos que levam à síntese em laboratório dos elementos da tabela periódica – até mesmo aqueles que ainda não existem – deverão ser patenteados. “Os registros cairão certamente nas mãos de quem detém recursos para realizar os experimentos”, aposta a cientista social.

 

Nanodiversidade

A relação de tudo isso com biodiversidade está no fato de que a nanotecnologia não diferencia matéria viva de matéria inerte. Como agora é possível pinçar átomos e rearranjá-los da forma que convier, estruturas inteiras de DNA podem ser construídas, o que dá à biotecnologia recursos nunca antes imaginados. Surge nesse contexto a nanobiotecnologia.

 

Um dos pioneiros da nanobiotecnologia, o cientista norte-americano Craig Venter, foi pioneiro também no seqüenciamento do genoma humano. Venter fundou a Syntethic Genomics, que pretende criar, com financiamento do departamento de energia do governo dos Estados Unidos, microrganismos direcionados a fins energéticos. Em 2005 ele alcançou sua primeira conquista ao sintetizar, em apenas 14 dias, um vírus inteiro, baseado na estrutura de DNA de uma matriz. Venter trabalha na criação de um ser vivo totalmente novo, por meio da composição de moléculas de DNA, átomo por átomo. “Esse será um problema até para a taxonomia”, ironizou Thomas.

 

Pat Mooney, diretor-executivo do ETC Group.

Graças à nanobiotecnologia, em 2003 o governo dos Estados Unidos lançou no oceano Pacífico um composto formado por nanopartículas de ferro e plâncton para absorver o dióxido de carbono da água, o que ocasionou o desaquecimento da atmosfera local. Também por meio de trabalhos com seres semivivos, é possível criar circuitos eletrônicos com proteínas de cloroplastos, que resultam em células solares fotossintéticas em estado sólido.

 

Pat Mooney, diretor-executivo do ETC Group, acredita que o tema deveria ser abordado na plenária oficial da COP8, por ter impactos diretos sobre a biodiversidade, levando à sua redução. “Com organismos criados para propósitos específicos, as espécies naturais não serão mais necessárias”, lamentou Mooney.

 

 

 

Célio Yano

 

Especial para a CH On-line / PR
27/03/2006