Química

 
O Nobel de química de 2003, anunciado em 8 de outubro pela Real Academia Sueca de Ciências, será dividido por dois norte-americanos, “por suas descobertas sobre canais nas membranas celulares”. Peter Agre, da Universidade de Johns Hopkins, e Roderick MacKinnon, da Universidade Rockefeller (ambas nos EUA), são autores de estudos pioneiros que detalham a estrutura e funcionamento dos canais de água e íons na membrana das células.

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Essas membranas controlam o fluxo de moléculas entre os meios intra e extracelular e mantêm assim o equilíbrio interno da célula. Elas são formadas por uma dupla camada lipídica que seria impermeável a água, íons e outras moléculas se não tivesse estruturas protéicas responsáveis pela troca seletiva de substâncias — os canais celulares presentes nas células animais, vegetais e de bactérias.

Embora desde meados de 1950 se soubesse que a água podia ser transportada através da membrana, coube a Peter Agre identificar as proteínas responsáveis pelo processo. Isso só ocorreu no final dos anos 1980, quando Agre isolou , na membrana de células do sangue e dos rins, uma proteína que correspondia ao canal de água, que ele chamou de aquaporina (poros de água). 

O campo elétrico na parede do canal de água
impede a passagem de moléculas maiores

O aspecto mais importante do canal identificado por Agre é a seletividade: ele permite o transporte de água, mas impede que sais ou moléculas maiores ultrapassem a barreira lipídica. Isso acontece porque as paredes do canal formam um campo elétrico que barra a entrada na célula de substâncias com cargas positivas. A membrana impede, por exemplo, que prótons saiam da célula (em geral, eles existem em maior concentração no meio intracelular).

A descoberta da estrutura e função desses canais permitiu uma melhor compreensão do funcionamento dos rins, órgãos em que há intensa reabsorção de água. “Os estudos de Agre permitem, juntamente com o conhecimento que se tem dos hormônios, traçar os moldes para a síntese de drogas que potencializem ou inibam o fluxo da água nas células”, diz o professor Jader Santos Cruz, do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Canais de água e de íons na membrana das células regulam a passagem de moléculas entre os meios intra e extracelular (imagens: reprodução )

Já Roderick MacKinnon foi premiado por descrever o funcionamento e estrutura tridimensional da proteína que constitui os canais que regulam o fluxo de íons através das membranas celulares. Com isso, ele confirmou a hipótese do alemão Wilhelm Ostwald (Nobel de química de 1909) para um antigo mistério: em 1890, ele propusera que os sinais elétricos medidos em tecidos vivos se deviam ao trânsito de íons pela membrana celular.

Em 1998, MacKinnon determinou por cristalografia de raios-X a estrutura de um canal iônico de potássio da bactéria Streptomyces lividans . “A estrutura do canal dessa bactéria é extremamente conservada evolutivamente”, diz Jader Cruz. “Ele é muito semelhante aos canais dos mamíferos, o que nos permite aprimorar os estudos em fisiologia, bioquímica e biofísica.” McKinnon descreveu pela primeira vez os canais iônicos átomo por átomo, e explicou por que eles são seletivos .

Esses canais são fundamentais para entender a transmissão de sinais entre as células nervosas. Qualquer estímulo nervoso provoca nos neurônios uma alteração no fluxo de íons da membrana. Esse fluxo corresponde à abertura e fechamento dos canais de sódio e potássio. O potencial de ação (ou impulso nervoso) é gerado por essa ação dos canais de íons.

Esses canais estão associados a uma gama de doenças no cérebro, coração ou músculos. “A descoberta ajuda a esclarecer as diferenças entre um canal iônico normal e aqueles acometidos por alguma anomalia”, diz Cruz. “No futuro, isso facilitará o desenvolvimento de medicamentos específicos.”

 

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Fábia Andérez
Ciência Hoje On-line
08/10/03