Resgate justo

Em meio à selva da ilha Ternate, na Indonésia, durante um acesso de febre causada por malária, o naturalista inglês Alfred Russel Wallace teve o insight que mudou a história da biologia e da ciência: a teoria da seleção natural. Estranhou a história? Esperava o nome de Darwin? Wallace ficou esquecido por muito tempo, mas também merece o crédito por criar, paralelamente a Darwin, a teoria que explica a evolução das espécies. Para recolocar a coautoria na história, foi lançado o site Wallace Online, que disponibiliza o trabalho completo do naturalista.

O projeto, criado a partir de uma doação anônima e dirigido pelo historiador da ciência John van Wyhe, da Universidade de Cingapura, reúne 22 mil imagens de pinturas, desenhos e mapas (alguns inéditos) e 28 mil páginas de documentos e manuscritos de Wallace. Wyhe também é o responsável pela página Darwin Online que abriga material sobre aquele que ganhou mais fama com a descoberta. 

Segundo o pesquisador, a página dedicada a Wallace chega para marcar os 100 anos de sua morte – completados no ano que vem – e também para trazer mais reconhecimento para o naturalista. “Wallace certamente merece ser mais conhecido e com o trabalho completo dele reunido on-line para qualquer pessoa ver e baixar de graça, acredito que isso vai acontecer”, diz Wyhe. 

A página marca os 100 anos da morte de Wallace e traz mais reconhecimento para o naturalista  

Wallace passou mais de dez anos estudando a evolução das espécies antes de ter a ideia da seleção natural. Durante esse período, o naturalista viajou por vários lugares do mundo, entre eles a Amazônia brasileira, coletando espécies para observação. Quando concebeu a seleção natural para explicar a diversidade de espécies no planeta, em 1858, enviou uma carta para Darwin com um artigo científico sobre o assunto pedindo-lhe que o publicasse na Inglaterra. 

Na época, Darwin já havia pensado na teoria da seleção natural, mas ainda não havia publicado nada a respeito. O cientista, já renomado, cumpriu o pedido de Wallace, mas não sem publicar ao mesmo tempo alguns escritos dele próprio sobre o assunto. Os trabalhos de ambos foram lidos no mesmo ano na Sociedade Linneana de Londres e a descoberta batizada de “teoria de Darwin-Wallace”. 

Um ano depois, Darwin reuniu suas ideias no famoso livro A origem das espécies e a contribuição de Wallace foi sendo esquecida. O entomologista George Beccaloni, que desde 2008 mantém um site e uma fundação para o naturalista, acredita que a publicação está diretamente ligada ao ostracismo de Wallace. 

“Foi somente no século 20 que Wallace ficou eclipsado pela figura de Darwin e minha hipótese para explicar isso é que no final do século 19 a seleção natural se tornou muito impopular com o surgimento do neolamarquismo e da teoria da mutação”, propõe Beccaloni. “Na década de 1930 que a seleção natural se tornou um mecanismo amplamente aceito para explicar a evolução. Mas até essa virada, a história da descoberta já tinha sido esquecida e assumiu-se que a ideia tinha sido publicada pela primeira vez no livro de Darwin.”

Wallace no Brasil

Pará
A primeira expedição internacional de Wallace foi para a Amazônia brasileira. Acima, pintura do naturalista retratando o vilarejo de Nazaré, no Pará.

Na página Wallace Online, o leitor pode encontrar curiosos escritos do naturalista. Contando sua primeira semana no Pará, destino de sua primeira expedição internacional em 1848, Wallace se mostra decepcionado por não ter visto ainda nenhum rouxinol, papagaio ou macaco: “Alguma prática é necessária para vê-los em meio à floresta densa, mesmo quando você os ouve perto de você.”

O naturalista também relata a ajuda que teve de moradores da região, como o “negro Vicente”, que lhe trouxe muitos insetos. Diz-se impressionado com a culinária da região, especialmente a estranha farofa e, depois de assistir às festas do Divino, conclui: “Música, barulho e fogos são três elementos essenciais para agradar um popular brasileiro”.

Já em escritos posteriores, de 1863, quando estava no arquipélago filipino Malay, Wallace lamenta a extinção de algumas espécies e faz apelo por conservação e esforços para catalogar o máximo possível de espécies. 

“Se isso não for feito, as eras futuras certamente vão olhar para trás e nos ver como pessoas tão imersas na busca por riquezas quanto cegas para questões mais importantes”, escreve. “Eles vão nos culpar por permitir a destruição desses registros da Criação que temos o dever de preservar…” 

 Confira uma galeria com ilustrações e mapas de Wallace

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line