O primeiro Nobel anunciado deste ano, de Medicina ou Fisiologia, premia três pesquisadores por suas descobertas sobre o funcionamento do sistema imunológico, que defende o corpo humano de ameaças como vírus, bactérias, fungos e até câncer.
Metade do prêmio, de 2,6 milhões de reais no total, vai para o imunologista estadunidense Bruce Beutler e para o colega francês Jules Hoffmann, por descobrirem as proteínas receptoras que reconhecem os microrganismos invasores e ativam as primeiras barreiras para defender o corpo.
A outra metade, provavelmente, vai para os herdeiros do imunologista canadense Ralph Steinman, que estudou o estágio seguinte dessa resposta do corpo a ameaças e descobriu as células dendríticas, responsáveis pela fase final de destruição de invasores do organismo. O cientista morreu na última sexta-feira, aos 63 anos, após quatro anos de luta contra um câncer no pâncreas.
É a primeira vez que um candidato ao Nobel morre antes do anúncio do prêmio e, ainda assim, é anunciado vencedor. Segundo as normas atuais da instituição, a láurea só pode ser póstuma se a pessoa falecer no intervalo entre o anúncio oficial – no caso, hoje (3/10) – e a cerimônia de entrega. Aparentemente, o Instituto Karolisnka, que organiza a premiação, não sabia da morte de Ralph Steinman.
Segundo o comitê da entidade, os trabalhos foram escolhidos “por sua importância para o entendimento do sistema de defesa do corpo humano” e também por “abrirem caminho para a prevenção e para novos tratamentos de infecções, doenças inflamatórias e até mesmo o câncer”.
Duas frentes de defesa
Os trabalhos premiados se complementam. Enquanto Beutler e Hoffmann ajudaram na compreensão do funcionamento do sistema imunológico inato, que já nasce com o indivíduo, Steinman trouxe nova luz para a compreensão do sistema imunológico adaptativo, que se estabelece ao longo da vida conforme o indivíduo entra em contato com agentes estranhos ao corpo.
Hoffmann iniciou suas pesquisas em 1996, em seu próprio laboratório, na Alemanha. O cientista buscava entender como as moscas-de-fruta combatiam infecções e descobriu que aquelas que tinham uma mutação em um gene chamado Toll morriam ao serem infectadas por fungos porque não conseguiam desenvolver uma reação imunológica.
O pesquisador francês mostrou que esse gene estava envolvido na detecção de microrganismos patogênicos pelo sistema imunológico das moscas e que a sua ativação era fundamental para a defesa contra corpos estranhos.
Mais tarde, em 1998, Beutler descobriu que algo semelhante ocorria em mamíferos. Em decorrência desses estudos, Beutler e Hoffmann ampliaram o conhecimento que se tinha sobre os sensores do sistema imunológico inato.
“Até então, não havia ferramentas para entender como o sistema imunológico detecta uma infecção e penso que foi aí que veio a nossa contribuição”, afirmou Beutler em entrevista por telefone concedida a Adam Smith, diretor editorial de mídia do Nobel.
Anos antes, em 1973, Ralph Steinman fez outra importante descoberta sobre o sistema imunológico: as células dendríticas, que fazem a ponte entre o sistema imunológico inato e o adaptativo. Elas são as responsáveis por capturar os corpos invasores e apresentá-los para células de defesa, como os linfócitos, que se encarregam de destruir a ameaça.
Esperança contra câncer e Aids
Atualmente, cientistas do mundo inteiro estudam essas células em busca de tratamentos para o câncer e doenças autoimunes, como a Aids. O que eles tentam fazer é induzir as células dendríticas a trabalhar a seu favor, como explica o imunologista José Barbuto, da Universidade de São Paulo:
“Essas células estão atentas a tudo o que ocorre no organismo e reportam qualquer anomalia para o sistema imunológico para induzi-lo a eliminar o que é reconhecido ou, em outras situações, a tolerar a presença daquilo que foi reconhecido.”
No caso do câncer, os pesquisadores tentam fazer com que as células dendríticas reconheçam o tumor como uma ameaça. Já no caso da Aids, é o contrário: elas devem deixar de ver as células do próprio corpo como malignas.
Barbuto, que há 10 anos trabalha na criação de uma vacina para tratar o câncer com base nas células dendríticas, chegou a conhecer pessoalmente Steinman quando o cientista veio ao Brasil para a Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe) de 1997.
“Só posso elogiar a escolha; Ralph é um cientista que modificou a imunologia com a elegante descoberta das células dendríticas”, diz Barbuto. “Ele olhou para essas células quando ninguém sabia do que se tratava e, cinco anos depois, as caracterizou fazendo surgir um novo olhar sobre o sistema imunológico. Infelizmente, ele não vai poder aproveitar essa conquista.”
Em entrevista ao jornal britânico Guardian, o secretário-geral do comitê do Nobel, Göran Hansson, disse que a decisão sobre o prêmio póstumo dado ‘acidentalmente’ a Ralph Steinman deve ser tomada nos próximos dias. “Agora os nossos pensamentos vão para a família do Dr. Steinman e colaboradores. Estamos chocados com a tristeza”, disse.
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line
Atenção: Logo após a publicação desta matéria, a Fundação Nobel confirmou que Ralph Steinman será de fato laureado na categoria Medicina deste ano, mesmo tendo morrido antes do anúncio oficial.