Retrospectiva verde e amarela

A cada ano que passa fica mais difícil fazer um retrospectiva dos destaques da ciência ao longo de 12 meses. O volume da produção científica, a velocidade das descobertas e as iniciativas de divulgação desses avanços alcançaram um patamar tão alto que se tornou praticamente impossível acompanhar e, sobretudo, cobrir tudo de relevante que acontece nas diversas áreas do conhecimento.

As pesquisas publicadas em periódicos internacionais de grande prestígio – Science, Nature, PNAS, entre outros – acabam ganhando mais destaque. Primeiro porque esse prestígio, fruto de intenso e longo trabalho, significa que ali são publicados estudos sérios, revisados por pesquisadores com reconhecida expertise na respectiva área. Ou seja, tudo indica que só sai ali o que é de fato relevante e correto cientificamente.

É praticamente irresistível não dar atenção especial aos estudos divulgados nesses veículos 

Depois, esses periódicos contam com um serviço de primeira voltado à imprensa. Eles disponibilizam, inclusive com alguma antecedência, os artigos que publicarão nas edições seguintes, textos menos herméticos esmiuçando o teor e a importância das pesquisas, entrevistas com os pesquisadores envolvidos e material gráfico, legendado, para ilustrar as potenciais matérias que irão alcançar o público.

Resultado: a confiança na qualidade das pesquisas publicadas nesses periódicos de prestígio e essa iniciativa de divulgação que facilita o trabalho da imprensa acaba tendo impacto direto na cobertura midiática de ciência. É praticamente irresistível não dar atenção especial aos estudos divulgados nesses veículos. 

Bactérias nos holofotes

Não por coincidência, os dois acontecimentos do mundo da ciência que mais geraram barulho na esfera pública em 2010 foram pesquisas publicadas na Science. A primeira delas, publicada na edição de 2 de julho do periódico, revelou ao mundo a bactéria criada pela equipe do geneticista norte-americano Craig Venter. 

Pela primeira vez, cientistas conseguiram criar uma célula controlada por um genoma inteiramente sintético, desenvolvido a partir de instruções de computador. Um feito e tanto, fruto de 15 anos de estudos, envolvimento de duas dezenas de pesquisadores e investimentos da ordem de 40 milhões de dólares.

Bactérias sintéticas
Bactérias sintéticas da espécie ‘Mycoplasma mycoides’ controladas por um genoma sintetizado em laboratório. (foto: Science/AAAS)

A notícia da bactéria com o genoma sintético foi publicada com destaque na imprensa de todo o mundo e recebida com entusiasmo por pesquisadores da área. No Brasil, os grandes jornais também relataram a novidade com otimismo. Alguns até com um certo sensacionalismo, divulgando equivocadamente a criação de vida artificial.

Uma outra bactéria protagonizou o segundo destaque da ciência na mídia do ano. Em um estudo também publicado na Science, pesquisadores alegaram ter descoberto um grupo de bactérias capaz de usar arsênio, elemento considerado altamente tóxico, em substituição ao fósforo, para sustentar seu crescimento

Esses seres diminutos, coletados no lago Mono, na Califórnia (Estados Unidos), atraíram a atenção do mundo antes mesmo de serem oficialmente apresentados à comunidade científica. O motivo: a descoberta teria impacto na busca de provas de vida extraterrestre, segundo afirmou a Nasa, ao divulgar uma entrevista coletiva com os autores do estudo

Bactéria arsênica
Uma bactéria que se alimenta de arsênio, elemento normalmente tóxico aos seres vivos, foi encontrada em um lago da Califórnia, nos Estados Unidos (foto: Henry Bortman).

Divulgada amplamente na grande imprensa, a pesquisa foi, a princípio, bem recebida pela comunidade científica. Mas não demorou muito para as críticas surgirem. Além de condenarem o comportamento sensacionalista da Nasa e de alguns jornalistas, pesquisadores começaram a questionar os próprios métodos e resultados da pesquisa. Sim, mesmo ela tendo sido publicada na Science

Espera-se que esse e outros episódios parecidos sirvam para deixar os jornalistas com uma pulga atrás da orelha em relação à confiança irrestrita na qualidade das pesquisas publicadas em periódicos de prestígio.

Os 10 + da Science

Falando na Science, o periódico fez o seu ranking das dez descobertas científicas do ano (edição de 17/12). Das duas bactérias campeãs de audiência em 2010, somente a do genoma sintético foi elencada. 

O topo da lista, no entanto, foi ocupado pela primeira máquina quântica, desenvolvida por pesquisadores norte-americanos. O funcionamento do novo equipamento só pode ser explicado pelas estranhas leis da mecânica quântica, abrindo caminho para uma infinidade de dispositivos experimentais e, quiçá, para testar o nosso senso de realidade. 

O pesquisador Svante Pääbo e um crânio neandertal reconstituído
Svante Pääbo, líder da pesquisa, com a reconstrução do crânio de um neandertal (foto: Max-Planck-Institute EVA).

A lista inclui, entre outros avanços, o sequenciamento parcial do genoma dos neandertais e a comparação deste com o genoma humano; as novas técnicas de reprogramação celular, capazes de fazer células-tronco adultas se comportarem como células-tronco embrionárias de maneira mais simples e eficaz, e duas estratégias para prevenção da Aids. 

Uma delas envolveu a participação de pesquisadores brasileiros. Um estudo clínico feito com homens e mulheres transexuais que fazem sexo com homens apontou a redução de 44% no risco de infecção em voluntários que se submeteram ao uso do Truvada, medicamento já utilizado no tratamento da Aids. 

Para conhecer e saber mais sobre cada item da lista, leia a cobertura da Folha de SP e do G1.

Panorama brasileiro

A seleção da Science não foi a única a apontar esses e outros estudos publicados este ano em periódicos internacionais de prestígio – de grande relevância, claro. Para não cair na repetição, a CH On-line decidiu fazer uma retrospectiva com recorte diferente, celebrando alguns grandes feitos da ciência nacional.

Selecionamos estudos importantes, envolvendo pesquisadores brasileiros, de áreas diversificadas da ciência, a que demos cobertura ao longo de 2010. Vale dizer que alguns, inclusive, foram publicados em periódicos internacionais de prestígio. 

Nunca na história do Brasil valorizou-se tanto a ciência

No entanto, mais importante do que destacar esses feitos é celebrar o momento importante que vive a ciência brasileira. Nunca na história do Brasil valorizou-se tanto essa área. Só nos últimos quatro anos, foram investidos recursos da ordem de R$ 41,2 bilhões, provenientes de diferentes órgãos federais. 

Esse volume inédito de investimento sem dúvida contribuiu para consolidar e expandir os resultados alcançados pelo Brasil em relação a sua produção científica, como bem aponta o ministro da Ciência e Tecnologia Sergio Rezende, em artigo publicado no JC e-mail

Segundo Rezende, o país responde atualmente por 2,69% da produção científica global. Entre 2000 e 2009, o número de publicações brasileiras aumentou 205%, atingindo cerca de 32.100 artigos indexados na base de dados Thomson Reuters. 

O país ocupa a 13a colocação no ranking mundial da produção científica

O ministro lembra ainda que, em 2008, o país alcançou a 13a colocação no ranking mundial da produção científica, ultrapassando Rússia e Holanda, países com grande tradição em ciência.  

Como diria Noel Rosa, que estaria completando 100 anos este mês não fosse a morte prematura aos 26 anos, em consequência da tuberculose: “são nossas coisas, são coisas nossas”. 

Certamente ainda há muitos desafios pela frente. O principal deles talvez seja descobrir uma boa fórmula para transformar todos esses números e avanços em mais justiça e igualdade social. 

Aproveitamos esses votos para desejar um feliz 2011, com muita saúde, paz, amor e ciência para todos.

 

Carla Almeida

Ciência Hoje On-line