Segundo a maioria dos cientistas, a agricultura e a própria segurança hídrica do Brasil serão beneficiadas caso o país faça uma importante lição de casa: cuidar das nascentes e preservar as florestas.
As florestas têm papel essencial na conservação e na purificação das águas. É na vegetação, e também nos solos e nos organismos, que fica retida boa parte da água que vem com as chuvas. Esse ciclo funciona como um grande filtro natural – e eventuais poluentes que estejam na água vão ficando pelo caminho quando ela transita por aquele ecossistema. Quando essa água chegar aos rios, ou quando retornar à atmosfera em forma de chuva, estará de certa maneira purificada.
Veja-se o caso emblemático da floresta amazônica, que absorve a água da chuva que vem do oceano. “Ela funciona como uma bomba de sucção: puxa água do oceano Atlântico para o continente e a mantém na floresta”, explica o engenheiro florestal Laerte Scanavaca, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Meio Ambiente), em Jaguariúna (SP).
É exatamente essa água, gerenciada pelo ciclo hidrológico da bacia amazônica, que acaba sendo distribuída entre a cordilheira dos Andes e a porção meridional do continente sul-americano. Pesquisadores acreditam que essa divisão é equilibrada: 50% da água vão para a cordilheira; e os demais 50% rumam para o sul.
“Isso significa que, se a floresta for cortada, a precipitação nessas regiões tende a ser reduzida”, diz Scanavaca. É incorreto atribuir um nexo de causalidade direta entre o desflorestamento amazônico e a queda dos níveis de precipitação do Centro-oeste e Sudeste brasileiros, por exemplo. Entretanto, não é errado supor que pode haver uma relação íntima entre tais processos.
De qualquer modo, a preservação de áreas naturais pode trazer não apenas benefícios ambientais, como também econômicos. Scanavaca estima que, para cada hectare de floresta amazônica preservada, há um potencial de arrecadação de R$100 mil por ano com o desenvolvimento e comércio de fármacos; e de R$20 mil por ano com a extração de sementes e frutos por meio do manejo sustentável da floresta.
“Abrimos mão disso e ‘ganhamos’ R$250 por hectare ao ano com soja, e R$300 por hectare ao ano com pecuária”, calcula o pesquisador. “Além de ser muitas vezes resultado de um crime ambiental, isso é uma falta de inteligência sem precedentes.”
Agricultura sem desmatamento
Do ponto de vista do produtor agrícola, pode parecer um contrassenso falar em preservação de florestas para o bom desempenho da agricultura. Isso porque não falta quem faça coro ao remoído argumento de que, para suprir nossa demanda alimentar nas próximas décadas, teremos que, inevitavelmente, desflorestar novas áreas para novos cultivos.
Mas um estudo recém-publicado no periódico Global Environmental Change confirma que o Brasil pode atender à sua demanda alimentar, pelo menos até 2040, sem derrubar uma árvore a mais sequer. Basta aproveitar melhor a área destinada à pecuária, que hoje corresponde a 75% das terras agricultáveis brasileiras – enquanto a lavoura ocupa apenas 25%.
“Criamos hoje, em média, uma cabeça de gado por hectare, quando poderíamos criar três”, calcula o autor do estudo, o economista Bernardo Strassburg, do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Strassburg garante que, se aproveitássemos apenas metade do potencial dessas terras subutilizadas em prol do plantio, daríamos conta não apenas da demanda alimentar do país para as próximas décadas, mas também das demandas futuras por agrocombustíveis e por recursos madeireiros.
Análises do próprio Ministério da Integração Nacional (MIN) indicam que “75% das necessidades futuras para alimento nas próximas décadas podem ser atendidas pelo aumento do nível de produção das fazendas de baixa produtividade”.
Argumentos não faltam para que a agricultura se concilie com a preservação das florestas.
Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line