Sonho em Genebra

Verão em Berlim. Por volta da meia-noite, Gloria Martini, incomodada com o fuso horário com cinco horas de diferença em relação ao Brasil, ligou mais uma vez o computador. Estava sem sono. Era 12 de julho. O marido, cansado, já estava na cama.

As férias em Berlim iriam mudar em minutos

Da internet, veio a notícia que, em uma questão de minutos, mudaria as férias do casal na Europa.

“Parabéns, você foi selecionada para a escola de professores do Cern em língua portuguesa“. 

Cern é a Organização Europeia de Pesquisa Nuclear. Localizada em Genebra (Suíça), a instituição abriga a menina dos olhos da física atual: o Grande Colisor de Hádrons, o famoso LHC.

A supermáquina que empurra em velocidade alucinante um próton contra outro visa – como o leitor deve saber – descobrir os mistérios subatômicos. Entre eles, o maior (ou menor, dependendo do ponto de vista): a existência do bóson de Higgs, partícula vital para o entendimento da estrutura da matéria.

“Como uma olimpíada”

Gloria no Cern
Gloria pronta para descer no elevador e visitar o túnel onde está instalado o CMS – detector onde, imagina-se, será encontrado o bóson de Higgs (foto: Acervo / Gloria Martini).

Gloria Martini é professora de física do ensino médio no Colégio Móbile, em São Paulo. Ela se inscreveu, junto com mais 200 professores do país, no programa oferecido pelo Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), de Portugal, em parceria com o próprio Cern, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e a Sociedade Brasileira de Física (SBF).

O plano: entre os dias 5 e 10 de setembro, 20 professores brasileiros se juntariam a outros educadores de países de língua portuguesa (como Portugal e Moçambique) para aulas sobre física de partículas no Cern.

“Para nós, físicos, passar uma temporada por lá equivale a ser convocado para uma olimpíada”, compara, por e-mail, Gloria, que voltou ao Brasil há poucos dias.

Naquela noite, em Berlim, Glória acordou o marido com choro e pulos na cama. Era um sonho real.

Dulcidio no Cern
Dulcidio posa com placa no Cern. Para o professor, a experiência foi ‘um sonho que se realiza e vira privilégio’ (foto: Acervo / Dulcidio Braz Júnior).

Dulcidio Braz Júnior, professor de física do Colégio Anglo São João, em São João da Boa Vista, interior de São Paulo, teve choque parecido, mas agiu de outra maneira. Assim que soube que seu nome também estava na lista, divulgou a notícia em seu celebrado blogue – o Física na Veia!

Perguntamos a Dulcidio, também por e-mail, se o Cern fazia jus ao que ele esperava. A resposta veio direto da Europa:

“Não. É muito mais! É incrível! Aqui se respira ciência. É gente de todos os cantos, de todas as raças, mas todos pensando em física de ponta. Estou tendo uma das experiências mais incríveis da minha vida!”

As exclamações de Dulcidio dispensam mais explicações sobre a sua empolgação. É um educador/cientista realizando a grande viagem de sua vida.

Rotina intensa

A rotina de ambos foi intensa. Ficaram hospedados em uma pequena cidade francesa (o Cern fica na fronteira franco-suíça).

“Você podia estar na fila para pegar comida e sua bandeja se chocar com a de um prêmio Nobel”

Pegavam um ônibus e iam em direção ao Cern, onde tomavam café da manhã por volta das 8h. Às 9h, começavam as aulas, que iam até a noite.

Ao fim do dia, aproveitavam para fazer um balanço geral das lições e levantavam dúvidas e questões para a próxima jornada.

“O café era tomado num local enorme. Devia haver mais ou menos uns 800 lugares. De repente, você podia estar na fila para pegar comida e sua bandeja se chocar com outra que estava nas mãos de algum prêmio Nobel de física”, diz Gloria, que, assim como Dulcidio, contou sua aventura em um blogue, criado especialmente para relatar sua jornada ao Cern. 

A volta ao Brasil

O cern
O Cern visto de fora (foto: Acervo / Gloria Martini).

Bom lembrar: o edital em que os dois professores se inscreveram para participar do curso exigia uma proposta de divulgação científica no retorno ao país. Dulcidio, de cara, prometeu uma cobertura em tempo real via blogue e Twitter. Mais adiante, assegura, vai publicar material didático gratuito na internet sobre o que aprendeu e distribuí-lo nas escolas do ensino médio.

E o que Dulcidio aprendeu sobre o LHC?

“Apesar de gigante, o LHC é delicado, feito de inúmeros pequenos detalhes, desde o sistema de aceleração e colimação dos feixes de prótons até os sensores minúsculos repletos de pixels capazes de detectar a passagem das partículas previstas no Modelo Padrão“, explica Dulcidio. E completa.  “É um banho de tecnologia, de ciência aplicada”.

Assista a um vídeo feito por
Dulcidio durante aula no Cern 

 

 

Tanto os alunos de Dulcidio quanto os de Gloria têm noção de física moderna e, em especial, sobre o Cern e o LHC. Embora o Modelo Padrão não faça parte do currículo escolar de várias instituições, os dois professores acham importante ensinar “a física do século 20” em sala de aula.

“O professor nem sempre quer correr o risco de enfrentar perguntas que pode não saber responder”

“É um tema [a física moderna] que aparece nas mídias com alguma frequência e para o qual os alunos têm sua curiosidade dirigida”, diz Gloria.

“Buracos negros, Big Bang, e, nos últimos tempos, o LHC estão entre os assuntos sobre os quais a maioria das pessoas quer saber pelo menos um pouco. O professor nem sempre quer correr o risco de enfrentar perguntas que pode não saber responder”, completa a professora.

Dulcidio, autor de livros sobre o ensino de física moderna nas escolas, também lamenta:

“Existe uma inércia enorme por parte de alguns colegas que não acreditam na física moderna no ensino médio. Uma pena.”

Que a volta de Gloria, Dulcidio e dos outros 18 professores ao Brasil, depois desse sonho em Genebra, sirva de incentivo aos educadores no ensino dessa nova física.  

Os 20 brasileiros
A turma de 20 professores brasileiros que participaram da Escola do Cern em 2010 (foto: Acervo / Gloria Martini).

Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line