Sonho iluminista, pesadelo romântico

Depois de passear pela efervescência cultural da Idade Média e pelas origens da ciência moderna a partir do Renascimento, a coleção Breve História da Ciência Moderna mostra aos leitores como se deu a consolidação da racionalidade científica, baseada na experimentação e na matematização da natureza. O terceiro volume da série, Das Luzes ao sonho do doutor Frankenstein , faz um apanhado dos processos que ratificaram a concepção mecânica do universo e, com igual força, fizeram surgir críticas ferozes a esse pensamento, manifestadas da filosofia à arte.

 
O século 18 foi marcado pelo advento do Iluminismo, no qual se exaltava a racionalidade e se questionava a tradição religiosa. A nova razão, popularizada por publicações como a Enciclopédia dos franceses Denis Diderot (1713-1784) e Jean d’Alembert (1717-1783), ganhou terreno e foi além da ciência, chegando até a economia e as artes. Na Revolução Industrial inglesa, os precursores da nova ciência do século 17 viram seus projetos confirmados por seus herdeiros, que começaram a unir os saberes teórico e prático, de modo a relacionar poder e ciência na nova dinâmica social.
 
A concepção mecanicista, no entanto, gerou polêmica, sobretudo quando chegou às questões fundamentais da ciência sobre o início da vida. Nesse contexto, a obra de uma jovem inglesa de 19 anos tornou-se referência significativa: o romance Frankenstein , publicado em 1818 por Mary Shelley (1797-1851), ao narrar a história de um estudante que sonhava em recriar a vida em laboratório, questionou os caminhos pelos quais a razão mecanicista conduzia a sociedade. Inspirada nos experimentos que testavam a eletricidade como princípio gerador da vida, a autora refletia sobre a dualidade razão-sentimento e esquentou ainda mais um debate já acalorado acerca das questões fundamentais da vida à luz do sonho (ou pesadelo) iluminista.
 
Rica em controvérsias, a ciência do século 18 deixou como herança uma nova concepção do universo-máquina, não mais inspirada no relógio, como a idealizada no século 17, mas moldada pela máquina térmica. O primordial passou a ser, então, compreender a mecânica por meio de fluxos e fluidos, usando, para isso, as ferramentas matemáticas de que os filósofos naturais já dispunham naquele século. Do carvão à eletricidade, chegando às inovações na astronomia promovidas por Kant e Laplace, o livro desenrola a história de forma envolvente e facilita ao leitor a compreensão dos diversos fatores que conduziram o desenvolvimento do pensamento oitocentista.
 

Mas não é só a narrativa agradável e simples que deve atrair jovens leitores para Das Luzes ao sonho do doutor Frankenstein . Ilustrações, sugestões de filmes, livros e peças de teatro mostram que a história da ciência, longe de ser um processo isolado, relaciona-se de maneira bem próxima com o desenvolvimento das artes e – por que não? – com a história do próprio homem. Os autores – os físicos Marco Braga, Andreia Guerra e José Claudio Reis, formadores do Grupo Teknê – sonham com a divulgação do conhecimento científico de forma interdisciplinar e sedutora. E vão pelo caminho certo.

Breve história da ciência moderna – Volume 3:
Das Luzes ao sonho do doutor Frankenstein (séc. XVIII)
Marco Braga, Andreia Guerra e José Claudio Reis
Rio de Janeiro, 2005, Jorge Zahar Editor
160 páginas – R$ 27,50

Catarina Chagas
Especial para a CH On-line
20/10/05