Teatro para respirar

A cena teatral paranaense prepara-se para comemorar em 2013 os dez anos da Marcos Damaceno Companhia de Teatro. Com oito espetáculos produzidos (que envolveram a participação de 40 atores) e turnês por quase todo o Brasil, a companhia, elogiada por críticos de diferentes linhagens, cuida da edição de um livro que narra sua trajetória. O volume, com textos e fotos, será lançado em meados do ano que vem.

A companhia, elogiada por críticos de diferentes linhagens, cuida da edição de um livro que narra sua trajetória

Na recente montagem da peça Para o vampiro, o grupo surpreendeu ao adotar uma estratégia ousada e intrigante: pagava o público para assistir às suas apresentações em uma pequena sala de ensaios em Curitiba. Falta de espírito comercial?

Para Damaceno, fundador da companhia, trata-se de uma provocação, para fazer o público refletir sobre questões abordadas na peça, como mercado teatral e valorização da arte pela arte. A certa altura, um personagem dispara: “Pagamento? Não preciso de pagamento, senhor. Só preciso de tempo. (…) O dinheiro, guarde para atrair o público”.

O núcleo central da companhia é formado pelo autor e diretor Marcos Damaceno e pela atriz Rosana Stavis. Completam a formação atual do grupo três atores (Zeca Cenovicz, Maia Piva e Samir El Halab), quatro técnicos e o ilustrador Foca Cruz, responsável pela identidade gráfica dos espetáculos.

Entre as montagens mais conhecidas da companhia, apresentadas em turnês, estão, além de Para o vampiro (2012), de Marcelo Bourscheid e Marcos Damaceno, Árvores abatidas, ou Para Luis Melo (2008), de Marcos Damaceno, a partir da obra do escritor e dramaturgo austríaco Thomas Bernhard (1931-1989), e Psicose 4h48 (2004), da dramaturga inglesa Sarah Kane (1971-1999).

Psciose
Cena de ‘Psicose 4h48’, de Sarah Kane. A peça, segundo o diretor Marcos Damaceno, trata de uma viagem a uma área da mente que a maioria das pessoas preferiria nunca visitar, mas da qual muitas não escapam. (foto: Chico Nogueira)

Estética

Damaceno define seus espetáculos como minimalistas. “A companhia é muito ligada à estética do frio”, diz o dramaturgo, para quem a cidade de Curitiba, onde vive e trabalha, é uma permanente fonte de inspiração.

Nascido em Registro (SP), mudou-se para a capital paranaense quando tinha nove anos. Desde então, a cidade e os curitibanos se tornaram influências diretas na estética de sua obra. Limpeza, contenção de elementos e economia de movimentos viraram ‘personagens’ de peças intimistas escritas ou adaptadas pelo autor. “Só percebi a profunda ligação com a cidade quando saí para turnês, conversando com o público.”

Damaceno: “A companhia é muito ligada à estética do frio”

A peça Psicose 4h48 é um exemplo de localismo que fez sucesso. “Se você quer ser universal, cante sua tribo, fale de si”, aconselha Damaceno. Ao montar a peça de Sarah Kane, que trata de questões densas, como psicose, depressão e suicídio, ele transferiu o céu cinzento de Londres para o cenário curitibano, igualmente plúmbeo. “Tento entender como o clima influencia o jeito de ser das pessoas”, diz o dramaturgo.

Nesta e nas demais peças, destacam-se os elementos centrais da filosofia do grupo: parcos recursos cênicos, monólogos cheios de devaneios sobre a mente humana e valorização do ator como elemento central da encenação.

Para Damaceno, um sinal de que suas montagens despertam interesse é a sintonia entre atores e público. “Quando o espectador se projeta à frente da cadeira em que está sentado e respira junto com o ator, sei que o trabalho está bem feito.”
 

Arte com rigor científico

Admirador dos textos de William Shakespeare, Damaceno não esconde sua obsessão por compreender a essência do homem. “Shakespeare inventou a humanidade, e nós, como legatários, devemos buscar o desenvolvimento humano.”

Segundo o dramaturgo, ao escrever ou encenar, seu trabalho não é diferente daquele realizado por cientistas, cujos experimentos têm como fim compreender o mundo à sua volta. “É a arte e a ciência que fazem a humanidade avançar, mudam nossa realidade e a visão que temos do ser humano”, defende Damaceno.

Se há um norte que o guia no trabalho de criação, este é a pesquisa formal. Damaceno abomina fórmulas fáceis e faz questão de explicitar isso a seus espectadores. “Não se enganem! Não pretendemos divertir ou entreter ninguém; isso não é telenovela”, discursava o diretor em uma espécie de prelúdio às apresentações de Psicose 4h48. E completava: “Odeio a ideia de teatro como passatempo”.

Árvores abatidas
Cena de ‘Árvores abatidas, ou Para Luís Melo’. O monólogo da atriz Rosana Stavis é acompanhado pelo músico Adriano Vargas. A peça, elogiada pela crítica, foi definida por seu diretor como uma declaração de amor e ódio ao teatro. (foto: Elenize Dezgeniski)

Para o professor de artes cênicas da Universidade Federal do Paraná Hugo Mengarelli, as montagens da companhia de Marcos Damaceno são singulares pelo modo de levar o espectador ao exercício reflexivo. “E surpreendem sempre.” Mengarelli, que também é diretor de teatro, não esconde seu desejo de assinar um espetáculo com a força dramática das peças escritas e dirigidas por Damaceno.

Mas não é apenas a vertente acadêmica que admira o trabalho do grupo. Em texto sobre a edição 2009 do Festival de Teatro de Curitiba, o crítico Luiz Fernando Ramos, da Folha de S. Paulo, não poupou elogios. Das montagens locais, Ramos apontava como grande destaque Árvores abatidas, ou para Luís Melo, que, segundo ele, devia figurar na Mostra Oficial (estava na Mostra Fringe). “O resultado é extraordinário, principalmente pela interpretação antológica de [Rosana] Stavis.”

As apresentações do grupo em 2012 estão provisoriamente suspensas por conta de um problema de saúde de um dos atores. Mas 2013 acena como ano promissor. Além do lançamento do livro que celebra os dez anos da companhia, está prevista a estreia de um espetáculo novo, cujo título provisório é A casa . A relação afetiva de um homem com seu lar está no centro da montagem, que deverá emocionar e suscitar a reflexão do público que for vê-la no circuito alternativo de teatros de Curitiba, Rio e São Paulo. 

Assista à breve entrevista em vídeo
com Marcos Damaceno

 

Mariana Ceccon
Especial para Ciência Hoje On-line/ PR