Qual é a idade da nossa galáxia? Apesar de não saberem determinar ao certo, os cientistas têm testemunhas no espaço que podem dar pistas sobre a origem da Via Láctea. Estamos falando, claro, das estrelas, que guardam, em sua composição, segredos de bilhões de anos. Foi justamente tentando desvendar esses mistérios que um grupo de cientistas do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP) resolveu iniciar, em 2011, uma pesquisa sobre as estrelas mais antigas da nossa galáxia. Quatro anos depois, eles já podem dizer que desvendaram a abundância de elementos químicos específicos nesses corpos celestes, além de terem uma nova hipótese para o enriquecimento químico das estrelas do centro da galáxia.
O ambicioso projeto, coordenado pela astrônoma Beatriz Barbuy, investiga conglomerados estelares localizados no que se acredita ser o componente mais antigo da Via Láctea, o bojo – a primeira estrutura a ser formada em uma galáxia que, como a nossa, tem formato espiral. “Enquanto o halo é a camada mais externa e maior, o bojo é a parte central, que concentra uma densidade maior de gases”, explica a pesquisadora. Tais gases, majoritariamente o hidrogênio e o hélio, vão formando novas estrelas ao longo da vida da galáxia.
Situado a cerca de 24 anos-luz do Sistema Solar, o bojo da Via Láctea não é exatamente uma região próxima de nós. Para estudá-la, os pesquisadores usaram dados de vários telescópios do Observatório Europeu do Sul (ESO) capazes de captar imagens das estrelas que compõem essa estrutura. Além disso, também obtiveram informações enviadas pelo telescópio espacial Hubble.
Ao analisar o enorme conjunto de dados, a equipe da USP buscou localizar as estrelas denominadas de segunda geração – aquelas que compunham a primeira geração da galáxia teriam surgido logo após o Big Bang e desaparecido apenas 30 milhões de anos depois. “Elas terminaram em grandes explosões (supernovas), que liberaram no espaço os elementos químicos massivos que formaram a população estelar de segunda geração”, conta Barbuy.
Os cientistas da USP chegaram a essa conclusão ao estudar a composição das estrelas por meio de uma técnica conhecida como espectroscopia, que analisa os elementos químicos formadores de um corpo celeste a partir da luz que ele emite. Formadas há pelo menos 13,7 bilhões de anos, logo após o surgimento do universo, essas estrelas de segunda geração são ricas em metais como o ferro. Esses elementos foram forjados durante a evolução e explosão das supernovas – estrelas mais velhas, como as da origem da nossa galáxia, que eram provavelmente pobres em elementos metálicos. “A metalicidade é um dos indicadores da longevidade de uma estrela. Se ela é rica em metais, é porque aproveitou elementos sintetizados por estrelas ainda mais antigas”, resume a astrônoma.
A pesquisadora ressalva, no entanto, que, no bojo galáctico, as estrelas tendem a ser mais ricas em elementos químicos como ferro e oxigênio do que no halo, a parte mais externa da espiral da Via Láctea. Isso ocorre por conta da grande densidade de gases nessa região, que propicia a formação intensa de estrelas. O bojo da nossa galáxia possui cerca de dez vezes mais quantidade de supernovas que as proximidades do Sistema Solar, por exemplo.
Em busca de confirmações
A constatação da abundância de ferro, bário, oxigênio, magnésio e silício nas estrelas que compõem o bojo da Via Láctea é um dos principais resultados do projeto da USP, e indica que as estrelas secundárias foram enriquecidas pelas supernovas logo no início da vida da galáxia. Para os cientistas, pelas quantidades relativas dos elementos químicos que detectaram, as supernovas devem ter sido estrelas de alta massa, com alta rotação, que liberaram substâncias enriquecedoras no universo.
Outra hipótese é a de que as estrelas de segunda geração tenham sido formadas por hipernovas, explosões com dez vezes mais energia do que as supernovas comuns – uma teoria, segundo Barbuy, conciliável, e não concorrente, com aquela das estrelas de alta rotação. Isso pode explicar o enriquecimento das estrelas do bojo, que possuem consideráveis quantidades de zinco e de alguns elementos pesados como o bário em sua composição.
O projeto, que foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, ainda está em curso e termina nos próximos meses. Desde o seu início, já rendeu alguns artigos científicos, sendo dois principais: um foi publicado na prestigiosa Nature, outro, na especializada Astronomy and Astrophysics, em julho deste ano. O astrônomo Basílio Santiago, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, afirma que essa investigação é valiosa na busca por pistas da infância cósmica. “Para melhor compreender a formação de nossa e de outras galáxias vizinhas semelhantes, é preciso estudar as estrelas mais antigas que ainda brilham – ou seja, as de segunda geração”, pontua. “Além de explorar o bojo atrás dessas anciãs celestes, esse projeto quer comparar as propriedades dessas estrelas com modelos recentes da química primordial da galáxia, e isso é essencial”.
Valentina Leite
Instituto Ciência Hoje/ RJ