Última chance?

O projeto do novo Código Florestal, aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 24 de maio, está em tramitação no Senado, onde é avaliado pelas comissões de agricultura e de meio ambiente, com posições diametralmente opostas em relação aos rumos das florestas brasileiras.

Na semana passada, representantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC) estiveram no Congresso pleiteando a participação da comunidade científica nas discussões relativas ao novo código.

A iniciativa culminou com a redação de uma carta endereçada ao presidente do Senado, José Sarney, reivindicando a participação da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática da casa, presidida pelo senador Eduardo Braga, na avaliação do projeto de lei que reformula o Código Florestal brasileiro.

Em entrevista acalorada na 63ª Reunião Anual da SBPC, em Goiânia, Helena Nader, presidente da entidade, ressaltou a importância de a comunidade científica estar presente e interferir ativamente nas discussões referentes ao código, com evidências científicas, posições apartidárias e visões de longo prazo. 

Tanto a agricultura quanto o meio ambiente perdem com a versão do código aprovada na Câmara dos Deputados

Segundo Nader, tanto a agricultura quanto o meio ambiente perdem com a versão do código aprovada na Câmara dos Deputados. Na sua avaliação, mesmo se o lado mais forte no cabo de guerra ganhar (no caso, o agronegócio), terá que enfrentar, no futuro, problemas graves como a falta d’água. 

A presidente da SBPC deixou claro que a comunidade científica que representa – 99 associações e sociedades científicas, além dos pesquisadores da ABC – não pretende interferir nas questões relativas à anistia (ou não) aos desmatadores, por considerar uma decisão política.

O que a comunidade científica deseja, segundo Nader, é contribuir com estudos e evidências científicas que levem em conta as especificidades de cada bioma brasileiro – tratados igualmente na versão atual do código – e com equilíbrio. 

Mapa do cerrado
Mapa com os limites da ecorregião do cerrado, onde acontece a reunião da SBPC. Segundo Helena Nader, comunidade científica precisa de mais tempo para estudar os impactos que a reformulação do Código Florestal provocaria nos biomas brasileiros. (imagem: Nasa)

“Como a comissão é de ciência e tecnologia, não é pró um nem pró outro; não tem a bandeira de um grupo nem a bandeira do outro”, enfatizou a presidente da SBPC. “A bandeira da ciência não tem raça, não tem credo, não tem cor e, principalmente, não tem morte e não tem partido”, ressaltou.

Nader disse que nesta terça-feira (12/7) o Senado vai responder ao pedido da comunidade científica.

Antes tarde do que nunca

A SBPC e a ABC demoraram a se envolver na questão da reformulação do Código Florestal. O projeto estava tramitando na Câmara dos Deputados há quase 12 anos, mas somente em maio do ano passado as entidades decidiram se manifestar a respeito, pressionadas pela própria comunidade científica.

Um grupo de trabalho, coordenado por José Antônio Aleixo da Silva, secretário da SBPC, foi criado em julho de 2010 para discutir e estudar o tema. Durante 10 meses, o grupo se reuniu uma série de vezes, ouviu diversas pessoas e levantou uma quantidade significativa de dados científicos

A expectativa da comunidade científica agora é participar mais ativamente das discussões no Senado

Em abril, apresentou à Câmara dos Deputados um relatório que aponta as inconsistências científicas da nova legislação. Os autores do estudo propuseram que a votação fosse adiada por dois anos, período que, segundo eles, deveria ser usado para avaliar os efeitos que o novo código provocaria no meio ambiente e na agricultura.

Apesar do esforço de última hora, a primeira versão do código foi aprovada na Câmara em maio. A expectativa da comunidade científica agora é participar mais ativamente das discussões no Senado.

Retrocesso nas universidades

Helena Nader aproveitou a ocasião para falar sobre outra ‘briga’ na qual a SBPC deve se meter, também no Senado. Encontra-se em discussão uma lei que desobrigaria as instituições de ensino brasileiras a contratar mestres e doutores para o seu quadro docente, em contradição com a Lei de Diretrizes e Bases de 1996.

Sem entender bem de onde vem a proposta e a quem ela interessa, Nader afirmou considerar a iniciativa um grande retrocesso.

“A sociedade brasileira lutou. A SBPC e a ABC estiveram à frente, querendo qualificar o ensino brasileiro. Estamos orgulhosos de ter a 13ª posição no mundo em termos de produção científica. Isso não foi feito da noite para o dia, não foi feito por acaso. É um projeto, uma perspectiva, uma rota que foi adotada.”

Mais uma vez, Nader desabafou: “Fomos surpreendidos”.


Carla Almeida

Ciência Hoje On-line

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