Um bioma a ser conhecido

Ao contrário do que prega o estereótipo comum no Sul-Sudeste, a paisagem da caatinga é heterogênea e não se restringe aos conhecidos mandacarus (fotos cedidas por Everardo Sampaio).

Árvores sem folhas, solo pedregoso, mandacarus recortando a paisagem árida. Esta é a imagem que muitos têm da caatinga no resto do Brasil. No entanto, esse estereótipo – forjado sobretudo pelo desconhecimento do bioma predominante na região Nordeste – mascara uma diversidade insuspeita para muitos. Esforços recentes para conhecer as espécies vegetais e animais da região têm revelado uma riqueza impressionante, apresentada ao público em um simpósio na Reunião Anual da SBPC.
 
Atualmente, são conhecidas na caatinga 510 espécies de aves, 240 de peixes, 154 de répteis e anfíbios e 143 de mamíferos. O levantamento de plantas é ainda mais completo: são mais de 900 espécies catalogadas. “Para se ter uma idéia de como o conhecimento progrediu, um livro de referência sobre a flora da região escrito nos anos 1980 por Dárdano Andrade-Lima indicava apenas cerca de 50 espécies de plantas”, compara o engenheiro agrônomo Everardo Sampaio, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
 
Mas ainda resta muito a conhecer. Se as plantas e vertebrados são razoavelmente bem conhecidos, muito pouco se sabe sobre os artrópodes, por exemplo – que incluem os responsáveis pela polinização de muitas plantas. Em função das grandes lacunas existentes, praticamente todos os levantamentos feitos na caatinga encontram espécies desconhecidas pela ciência.
 
“Durante um levantamento que fizemos recentemente, todas as espécies coletadas de alguns grupos eram novas”, exemplifica a botânica Francisca Soares de Araújo, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). “Só de aranhas, foram encontradas nove espécies desconhecidas, e isto em uma pequena área estudada.” O levantamento mencionado por Francisca integra os esforços para atualizar os dados sobre a biodiversidade da caatinga. Os resultados serão divulgados em agosto, em uma publicação a ser lançada pelo Ministério do Meio Ambiente.
 
Apesar das novas descobertas, a conservação da caatinga suscita muitos cuidados. Atualmente, o bioma só conta com 40% da cobertura vegetal original, e vive sob o risco constante de queimadas e desmatamento para a prática da agricultura e pecuária. A ameaça preocupa na medida em que o Nordeste é a região brasileira mais carente de unidades de conservação. Segundo dados da Associação Caatinga, apenas 0,45% da área do bioma se encontra nessas unidades, embora a região ocupe 11% do território nacional, com quase um milhão de km 2 .
 
Além de proteger a biodiversidade, a conservação da caatinga teria uma série de outros interesses apontados por Everardo Sampaio em sua apresentação. Ele citou inclusive uma razão pouco lembrada ao se defender esse bioma: a captura de carbono pela vegetação durante a fotossíntese, que contribui para atenuar o aquecimento global e que poderia ser trocada pelo Brasil por créditos de carbono. “A caatinga tem de 50 a 100 toneladas de biomassa por hectare, que podem absorver de 20 a 50 toneladas de carbono”, estima o pesquisador.
 
Sampaio apontou a contribuição que cada setor da sociedade pode dar para conservar a caatinga. “É injusto que o ônus total recaia sobre os proprietários rurais”, considera. “É preciso que a população urbana mais rica também pague por isso.” Entre as atribuições do governo, ele citou ações de renúncia fiscal, a promoção de uma legislação ambiental que seja de fato cumprida e a promoção de investimento indireto em educação e pesquisa.
 
A comunidade científica tem um papel especial nessa cruzada. “Devemos fazer a ponte entre as sociedades rural e urbana, apresentar opções de manejo sustentado, selecionar regiões prioritárias para a conservação e prover informações para a valorização de espécies nativas”, enumerou.
 

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
21/07/05