Um corpo que treme

Siri Hustvedt estava falando em um evento em homenagem a seu pai, que havia falecido dois anos antes. De repente, algo começou a chamar mais a atenção da plateia do que suas palavras: a oradora tremia sem parar. O raciocínio e as cordas vocais continuavam intactos, mas o corpo não dava trégua, numa espécie de convulsão parcial. 

Esta foi a primeira de muitas experiências semelhantes vividas pela escritora estadunidense de origem norueguesa; quase sempre falando em público, quase sempre sem motivo aparente nem sintomas prévios – no primeiro evento podia-se atribuir o problema a questões emocionais, mas os episódios seguintes foram em falas sobre assuntos profissionais ou corriqueiros. 

As momentâneas faltas de controle do corpo tiraram o sono de Hustvedt e a levaram a uma longa jornada em busca de respostas. Científicas, filosóficas ou psíquicas. A saga está relatada no recém-lançado livro A mulher trêmula ou uma história dos meus nervos

A mulher trêmulaNão são raros os exemplos em que pacientes, ou seus familiares, passam a investigar tão a fundo suas doenças que viram praticamente especialistas no assunto. Em geral, eles são motivados pela gravidade das enfermidades. Mas no caso de Hustvedt não se tratava de uma iniciante nos mundos da neurologia, da psiquiatria e da psicanálise. 

Primeiro por conta das enxaquecas que a atormentavam desde pequena e lhe despertavam muita curiosidade sobre os intrigantes caminhos da mente. Depois, graças à ficção, motivada pela criação de um personagem que era psicanalista e psiquiatra para o livro Desilusões de um americano.

“Estudei farmacologia e me familiarizei com as diversas classes de medicamentos”, conta ela no livro, todo em primeira pessoa e em tom bem íntimo. “Li mais sobre psicanálise e incontáveis memórias de doentes mentais. Fiquei fascinada pela neurociência (…), e fui convidada a participar de um grupo de discussão dedicado a um novo campo: a neuropsicanálise”. 

Mas, tal qual a neurocientista que sofreu um derrame (e fez um relato impressionante sobre suas sensações em palestra e livro), Hustvedt de repente se viu como personagem de suas próprias pesquisas. Daí em diante, ela passou a perseguir a mulher trêmula. Por que, afinal, o corpo se agitava e a cabeça e a voz se mantinham normais?

O caminho em busca de explicações está em todo o livro – incluindo os relatos das novas tremedeiras, os exames com resultados inconclusivos e as reações de pessoas próximas, como seu marido, o escritor Paul Auster. 

A autora aborda desde os estudos de Freud sobre histeria até a mais recente fase da farmacologia

A saga da escritora é intercalada com diversas histórias e informações científicas que ela recolheu ao longo dos anos. Desde os estudos de Freud sobre histeria – “palavra antiquada que praticamente desapareceu do discurso médico corrente, substituída pela expressão ‘transtorno dissociativo’ ou de ‘conversão’”, lembra Hustvedt – até a mais recente fase da farmacologia, ênfase de boa parte dos psiquiatras de hoje, “que preferem deixar a parte da conversa para os assistentes sociais e se limita a receitar medicamentos”, ‘alfineta’. 

A busca de Hustvedt está longe de terminar. Mas ela parece estar perto, ao menos, de seu objetivo intermediário: “A curiosidade intelectual sobre uma doença que estamos enfrentando nasce sem dúvida de um desejo de domínio. Se eu não podia me curar, talvez conseguisse pelo menos começar a me entender melhor”.

Helena Aragão
Ciência Hoje On-line