Um domingo enfim eternizado

Trinta e cinco anos depois de sua morte, Osman Lins (1924-1978), considerado por muitos um dos mais importantes escritores brasileiros, tem mais um livro publicado. A novela Domingo de Páscoa, sua última narrativa completa, acaba de sair pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Domingo de PáscoaO texto foi publicado pela primeira vez na revista Status, em abril de 1978, apenas três meses antes da morte do escritor. Lins enfrentava um câncer generalizado, decorrente de um melanoma tardiamente diagnosticado. A pedido da esposa, a escritora Julieta de Godoy Ladeira (1935-1997), não teria sido informado da doença por seu médico.

Em sua novela derradeira, Lins ficcionaliza a viagem que fez com a esposa, durante a Semana Santa de 1977, às praias de Guarapari, no Espírito Santo. Da janela do quarto, o escritor podia ver a piscina e o bar do hotel e teria se impressionado com a figura solitária de um hóspede russo, que, na narrativa, recebe o nome de Velimir Leskóvar.

“A solidão desse homem o impressionou, bem como a trágica, grotesca e dolorosa presença de doentes na praia, todas aquelas criaturas se cobrindo de areia, esculturas disformes, cor de terra”, contou Julieta, certa vez. Para ela, Domingo de Páscoa é o prenúncio da morte iminente de Osman Lins.

Busca incessante

Nascido em Vitória do Santo Antão (PE), em 1924, Lins perdeu a mãe, vítima de complicações do parto, quando tinha 16 dias de vida. Como ela não deixou qualquer fotografia, o escritor viveu toda a vida sob o desconhecimento das feições maternas. Dizia que fazer literatura consistia em uma busca pela construção desse rosto. Achava que tinha de produzir algo que valesse a morte de uma mulher.

Solitário desde a infância, começou a escrever por influência de um professor de literatura da escola. Quando se mudou para o Recife, aos 16 anos, já tinha dois contos finalizados. “Osman Lins se dedicou à literatura como poucos escritores fizeram”, diz Elizabeth Hazin, coordenadora do Grupo de Estudos Osmanianos. “Nunca fez uma hora extra no Banco do Brasil, onde trabalhou durante muitos anos; vivia para escrever.”

Admirava escritores como Machado de Assis (1839-1908) e Lima Barreto (1881-1922). Entre seus contemporâneos, era leitor de Clarice Lispector (1920-1977) e de Sérgio Sant’Anna. Mas em sua cabeceira estavam geralmente obras de teoria e de crítica literária, dada sua obsessão pela qualidade do texto. Resultado disso foi uma obra sempre ascendente, em termos de qualidade, na avaliação de Hazin.

Retrato de Osman Lins
‘Retrato de Osman Lins 2’, 1998, carvão sobre papel de Gil Vicente. Lins começou a escrever por influência de um professor de literatura da escola. (foto: Coleção Lauro de Oliveira e Marilda Vasconcelos de Oliveira)

“Seu texto é muito sofisticado, e ele nunca abriu mão disso”, diz. Queria que o leitor alcançasse o nível em que estava sua obra, não o contrário. Marcam sua produção características aparentemente controversas como o lirismo e, ao mesmo tempo, a racionalidade – Avalovara, por exemplo, tem toda a história baseada no conceito matemático do quadrado mágico.

Todos esses elementos estão presentes em Domingo de Páscoa. “Mas há também muito mistério nessa que talvez seja a mais enigmática de todas as narrativas do autor”, diz Ana Luiza Andrade, organizadora da edição recém-publicada de Domingo de Páscoa. “Enigmática pelo que tem de premonitória da morte, pela incerteza do que o esperava, pelo acúmulo de incertezas que sua experiência de vida lhe deu como homem e, sobretudo, por sentir-se ceifado da vida tão prematuramente.”

Morte

Antes de morrer, Lins ainda deixou um romance incompleto, com cerca de 120 páginas, do qual o integralista Plínio Salgado (1895-1975) seria personagem. O texto foi interrompido para a produção de Domingo de Páscoa, como que num impulso do escritor.

Em 1982, Julieta entregou a novela para Ana Luiza Andrade, então na Universidade do Texas, em Austin, para ser traduzida para o inglês. A tradução, feita junto com o escritor norte-americano Fred P. Ellison, foi publicada no volume A South American trilogy, organizada por Luis Ramos Garcia.

“Quanto mais o tempo passa, mais essa narrativa se destaca por sua atualidade crítica quanto ao estado da cultura”, diz a organizadora da edição, que inclui texto de Julieta de Godoy Ladeira e traduções para o inglês e espanhol, além de comentários críticos.

Entre 1955 e 1978, Osman Lins publicou mais de 20 obras, entre romances, ensaios, contos e peças de teatro, entre os quais Lisbela e o Prisioneiro (1964), Nove, Novena (1966); e Avalovara (1973). Os direitos de sua obra pertencem hoje às três filhas, que autorizaram prontamente a publicação do novo título.

Célio Yano
Ciência Hoje On-line/ PR