Um homem preciso e meticuloso

Nem só de tubos de ensaio e soluções vive a química. Muitos processos importantes, como a formação da ferrugem, a produção de fertilizantes artificiais e a catálise da exaustão de automóveis ocorrem em superfícies sólidas, que agem como catalisadores, facilitando a reação. O estudo desses processos requer equipamentos avançados – câmaras de vácuo e microscópios eletrônicos, entre outros –, além de metodologia robusta e grande precisão, pois qualquer impureza pode atrapalhar seriamente um experimento.

O alemão Gerhard Ertl levou sozinho o Nobel de química de 2007 (imagens: Fundação Nobel).

O químico alemão Gerhard Ertl não só reconheceu o potencial das novas tecnologias de vácuo que surgiram na década de 1960, como também desenvolveu os fundamentos metodológicos para todo esse campo de estudo. Por esse motivo, ele foi agraciado com o Nobel de química deste ano, que reconheceu sua capacidade de fazer uso de tecnologias experimentais e sua meticulosidade para produzir uma representação completa das reações às quais se dedicou.

“O trabalho pioneiro de Gerahrd Ertl fez com que a química de superfícies se tornasse um capítulo importante da físico-química”, avalia o químico Yoshitaka Gushikem, chefe do Laboratório de Química de Superfície da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Ertl estudou o comportamento do hidrogênio em superfícies de metal, um processo importante para o entendimento de células combustíveis, nas quais o gás é usado para gerar eletricidade. O químico pesquisou ainda a reação de oxidação do monóxido de carbono pela platina, que é usada nos catalisadores dos canos de descarga dos automóveis para transformar as emissões tóxicas em gás carbônico.

Entendendo os fertilizantes
Outro campo de estudo de Ertl foi o processo Haber-Bosch, inventado pelo químico alemão Fritz Haber (1868-1934) para a produção de amônia a partir de hidrogênio e nitrogênio usando a superfície de grãos de ferro como suporte catalisador (o feito lhe valeu o Nobel de 1918). Essa reação tem uma grande importância comercial, pois a escassez de nitrogênio é o fator limitante para o crescimento de cultivos agrícolas. As únicas fontes naturais de fixação desse elemento são a queda de raios, a ação de bactérias existentes nas raízes de alguns vegetais e o salitre.

A química de superfícies, que valeu o Nobel 2007 a Ertl, é importante para vários processos, como a catálise dos gases emitidos por automóveis, a destruição da camada de ozônio, a formação da ferrugem, a produção de materiais semicondutores e de fertilizantes artificiais.

A formação da amônia é a etapa mais difícil na produção de fertilizantes artificiais e Ertl desejava saber qual estágio da reação era o mais lento, de maneira a acelerá-la e melhorar o processo. Colocando uma superfície limpa e lisa de ferro em uma câmara de vácuo, na qual podia introduzir quantidades controladas de gases, o laureado usou diferentes métodos para medir a contração de átomos de nitrogênio presentes sobre a superfície de ferro – de maneira a assegurar que os dados não estavam sendo distorcidos por contaminação.

 

Ertl concluiu que a etapa mais lenta e, portanto, limitante do processo de Haber-Bosch era a divisão da molécula de nitrogênio em dois átomos, necessária para reação com o hidrogênio. Não contente com apenas esses resultados, o químico mapeou todo o processo. Isso permitiu identificar as taxas de reação e a energia de ativação de cada estágio, as quais serviram de base para o cálculo de como a reação acontece em condições mais próximas da realidade. Por isso, o trabalho de Ertl é importante tanto para a pesquisa básica quanto para a indústria.

 

“Hoje, a maioria dos processos industriais usam superfícies catalisadoras”, observa Gushikem. Segundo ele, o trabalho de Ertl permitiu entender processos que, à primeira vista, pareciam não ter nada a ver com superfícies sólidas, como a degradação da camada de ozônio. “Apesar de o fenômeno estar presente na atmosfera, a reação que cria o buraco ocorre na superfície dos cristais de gelo estratosféricos”, explica.  

 

Ganhador

 

 

Gerhard Ertl nasceu em 1936 em Bad Cannstadt, naAlemanha. Doutorou-se em físico-química em 1965, pela UniversidadeTécnica de Munique. É professor emérito do Instituto Fritz-Haber doInstituto de Pesquisa Max-Planck, em Berlim, na Alemanha.

 

Fred Furtado
Especial para a CH On-line
10/10/2007