Um outro Iberê

Na década de 1950, influenciado pelas naturezas-mortas do pintor italiano Giorgio Morandi (1890-1964), o processo criativo do artista gaúcho Iberê Camargo (1914-1994) sofreu mudanças. A composição trágica e sombria, presente em vários momentos de sua trajetória, deu lugar a temas mais sóbrios e desoprimidos. É sobre esse período a exposição O ‘outro’ na pintura de Iberê Camargo, inaugurada este mês na fundação que leva o nome do artista, em Porto Alegre. Com cerca de 70 obras, a mostra ficará em cartaz até março de 2013.

“O ‘outro’ é justamente essa fase pouco conhecida do Iberê, em que ele revela serenidade”

“O ‘outro’ é justamente essa fase pouco conhecida do Iberê, em que ele revela serenidade”, afirma a curadora da exposição, Maria Alice Milliet. Pintor, desenhista e gravador, Iberê Camargo é visto como artista expressionista abstrato cujas obras refletem solidão e melancolia. 

A proximidade do artista com a obra de Morandi não produziu imitação, mas aproximação temática. Assim como o italiano, o pintor brasileiro retratou objetos e cenas simples, como os copos e garrafas de Natureza-morta (1956), e as ruas desertas das telas Santa Tereza (1956) e Poços de Caldas (1959). Mas, ao contrário de Morandi, que usou cores suaves, Iberê valeu-se de roxo, violeta, azul e preto. “É uma fase silenciosa, mas não estática”, diz Milliet. “Se a instabilidade emocional e o gesto exacerbado, comuns na obra do artista, estão ausentes nessa fase, não falta, por outro lado, visível dramaticidade em sua paleta.”

Fundação Iberê Camargo
Fachada principal da Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre. (foto: Mathias Cramer/ temporealfoto.com)

A Fundação Iberê Camargo reúne mais de 5 mil obras do artista (3.246 desenhos e guaches, 1.570 exemplares de 329 gravuras e 215 pinturas). “Esse número corresponde a pouco mais da metade da sua produção, estimada em 8 mil itens”, informa Mônica Zielinsky, responsável pela catalogação da obra. Além dos trabalhos que estão na fundação, há obras em museus e coleções públicas e privadas (brasileiras e de outros países). “No Brasil, poucos artistas, talvez só Candido Portinari [1903 1962], têm obra tão extensa”, diz Zielinsky.

A fundação pretende ainda rastrear criações do artista que estão em mãos de terceiros, para registrá-las em seus arquivos

Repositório de obras e centro de referência sobre o trabalho e a vida de Iberê Camargo, a fundação pretende ainda rastrear criações do artista que estão em mãos de terceiros, para registrá-las em seus arquivos. Inaugurada em 1995 – originalmente com sede na antiga casa do artista, mudando-se mais tarde para o prédio atual, projetado pelo arquiteto português Álvaro Siza –, a fundação conseguiu catalogar todas as obras das séries Carretéis, dos anos 1960, e Ciclistas, dos anos 1980 e 1990.

No universo das pinturas a óleo do artista, várias lacunas estão por ser preenchidas. Essa é uma tarefa complexa e que exige investimento elevado, pois envolve viagens para o reconhecimento de obras e trabalho conjunto de especialistas para verificação de autenticidade. A fundação mantém não só o acervo artístico, mas todo o arquivo documental do artista. São mais de 7 mil peças, entre fotografias, cartas, esboços, artigos e outros registros, guardados pelo artista e sua mulher, Maria Coussirat. “Ele era um grande arquivista; cuidava de tudo com muito zelo”, conta Zielinsky.

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Katy Mary de Farias
Especial para a CH On-line/ PR