O que você acha de tornar possível o desenvolvimento de filtros de água para crianças carentes na África ou a descoberta da função social do riso das hienas? Pois você pode contribuir de forma significativa para a realização desses feitos: basta fazer doações em dinheiro em sites que promovem o chamado crowdfunding, que nada mais é que o financiamento coletivo de um projeto.
Esse tipo de iniciativa já havia caído nas graças do público interessado em eventos culturais. Artistas independentes com frequência recorrem ao financiamento popular pela internet para suas peças de teatro e shows. Basta postar seu projeto, estabelecer a quantia monetária necessária para torná-lo realidade e esperar que as pessoas se identifiquem com a proposta e colaborem com dinheiro.
Mas a ciência era novata no ramo até pouco tempo atrás. Em maio, cientistas de diversos países se uniram para reivindicar um espaço para seus projetos em sites de crowdfunding. Intitulada SciFund Challenge, a iniciativa conquistou uma seção permanente sobre ciência na página RocketHub, que até então só abrigava projetos de música, artes plásticas, fotografia e vídeo. Na primeira rodada científica do site, 75 cientistas de variadas áreas do saber conseguiram, no total, 76 mil dólares para suas causas.
Também recentemente, foi criado o Petridish (Disco de Petri, em inglês), primeira plataforma exclusiva para o financiamento de projetos científicos. O idealizador da iniciativa, o empresário estadunidense Matt Salzberg, espera que o site se torne um fundo para pesquisas tão importante e poderoso quanto os governamentais têm sido.
“Criamos o Petridish para suplementar os mecanismos tradicionais de financiamento, aumentar o dinheiro disponível para cientistas e democratizar a decisão de financiamento, de modo que as pessoas escolham que tipo de projetos científicos querem ver acontecendo”, diz Salzberg.
Divulgação como bandeira
No crowdfunding, o poder de decisão está mesmo nas mãos e no bolso no público. Por isso, a comunicação faz toda a diferença para cativar os mecenas virtuais. É comum oferecer brindes de acordo com a quantia dada. Os presentes podem ir desde uma cópia do trabalho científico publicado para quem fez as menores doações, até um exemplar de uma tecnologia inédita.
Os brindes muitas vezes são um atrativo, mas os projetos que conseguem mais atenção – e chegam a arrecadar até mais dinheiro que o pedido inicialmente – são aqueles que melhor explicam sua proposta, frequentemente com o uso de vídeos.
Esse é o caso de um projeto do Brasil. O estudante de biologia da Universidade de São Paulo (USP) Otto Hering foi o primeiro brasileiro a participar do crowdfunding de ciência ao pedir fundos para ele e seus colegas se inscreverem neste ano na competição internacional de biologia iGEM (International Genetically Engineered Machine), que ocorre no Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), nos Estados Unidos.
Hering pediu U$2.750 e conseguiu U$2.995 de 39 pessoas que doaram entre U$10 e U$500. Para alcançar sua meta, o estudante conta que foi fundamental a divulgação nas redes sociais de um vídeo bem-humorado explicando o projeto e o pontapé inicial de amigos que, ao darem dinheiro, impulsionaram a doação de desconhecidos.
“O legal do crowdfunding é a possibilidade de encontrar vários mecenas virtuais que te ajudam por gostar do seu projeto, diferente de uma ‘vaquinha’ entre amigos, que só te ajudam por gostar de você”, comenta Hering.
Confira o vídeo feito pelos brasileiros
O estudante também ressalta que o maior desafio – e o elemento decisivo para o sucesso do empreendimento – foi falar sobre ciência de maneira compreensível a todos.
“Um dos grandes problemas da divulgação científica é a adequação da linguagem, escolher as palavras e analogias certas para explicar assuntos densos sem perder a precisão”, diz. “Quando se trata de crowdfunding, é preciso ir um pouco além, afinal, para fazer uma pessoa tirar dinheiro do próprio bolso para apoiar sua iniciativa é preciso conquistá-la – o que não é nada trivial no caso de assuntos científicos.”
Um dos fundadores do SciFund, Jarrett Byrnes, pós-doutorando no Centro Nacional de Análises Ecológicas, nos Estados Unidos, acredita que o estímulo à divulgação científica é um dos maiores méritos desse tipo de iniciativa. “Normalmente o trabalho de divulgação é uma atividade extracurricular e não paga”, diz. “O crowdfunding é um incentivo, faz com que a divulgação seja parte importante e natural da carreira científica e envolve mais pessoas com a ciência.”
Futuro ou furada?
A observação de Byrnes faz sentido, mas vale destacar que está implícito no crowdfunding o risco de financiar pesquisas chamativas, mas sem valor científico.
O Petridish mantém uma pequena equipe que faz a peneira dos projetos submetidos, deixando de fora propostas esdrúxulas e de pessoas que não estejam filiadas a universidades. Mas o rigor dessa seleção não se compara ao da tradicional revisão por pares.
Já no RocketHub, qualquer um pode publicar qualquer coisa. Por isso, vemos projetos lunáticos, como a proposta de estudar se os tranquilizantes usados no filme Jurassic Park funcionariam em dinossauros vivos no mundo real. “Esse projeto vai garantir que poderemos tranquilizar um dinossauro caso alguém crie um desses interessantes animais”, diz a página do autor.
Felizmente, esse projeto só teve 1% de seu financiamento concluído: apenas U$10 foram doados. O disparate foi tanto que o público deve ter notado que não passava de pseudociência. Mas nem sempre a distinção é tão clara. Além disso, não existem garantias de que o autor da proposta vai realmente usar o dinheiro para o fim anunciado.
Ainda assim, Byrnes acredita que o crowdfunding é o futuro da ciência. “Não acho que esse tipo de iniciativa pode ou deve substituir o financiamento tradicional, mas temos que encarar a realidade de que os fundos governamentais não vão aumentar e as indústrias nem sempre são a melhor opção, por causa dos conflitos de interesses financeiros que elas podem gerar”, explica.
Matt Salzberg, do Petridish, concorda e vai além. “A maioria dos nossos pesquisadores pode conseguir fundos pelos meios tradicionais, mas esse processo geralmente tem restrições sobre o uso do dinheiro e é muito lento”, comenta. “O crowdfunding é muito mais amigável e dá a chance de financiar projetos que não conseguiriam vingar pelos meios tradicionais, como trabalhos pequenos ou de áreas menos reconhecidas. Essa é a melhor forma de dar poder à ciência em qualquer lugar do mundo!”
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line