Um profeta nem tão zangado

O escritor norte-americano Mark Twain (1835-1910) deu ordens explícitas: sua autobiografia não poderia ser publicada até que se passassem 100 anos de sua morte. Nunca saberemos o motivo da ordem. Só é possível especular. Fato é que Twain – ou Samuel Langhorne Clemens, o nome real do escritor – morreu em 1910. E agora só se fala no primeiro volume (de três) de sua autobiografia, que foi lançada este ano nos Estados Unidos e já ganhou resenhas e reportagens em várias publicações do mundo.

Twain sabia da sua importância e queria ser reconhecido um século depois

Boa parte dos textos especula por que esperar tanto tempo para o lançamento de uma autobiografia. E por que, sobretudo, publicá-la após a morte. “Vaidade ou cuidado?”, perguntam-se todos. Um pouco de cada um, dizem as primeiras análises do livro.

Segundo os jornais norte-americanos, o criador de livros tão caros a crianças, como As aventuras de Tom Sawyer, ou tão críticos e até profanos, como 1601, sabia da sua importância e queria ser reconhecido um século depois.

No entanto, ele também se protegia e tinha noção de que suas críticas ao estado das coisas do início do século passado não seriam bem-vistas naquela época.

Autobiografia Mark Twain
Capa do primeiro volume da autobiografia de Mark Twain.

Por isso aguardar tanto tempo para a publicação. Após uma primeira leitura da autobiografia, o repórter Larry Rohter, do New York Times, chamou Twain de “o profeta zangado”.

O original da autobiografia de Twain, que foi ditada pelo autor para ter mais coloquialidade ao texto, está na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. A obra demorou quatro anos para ficar pronta, e foi finalizada no mesmo ano de sua morte.

Algumas poucas passagens já haviam ‘vazado’ para revistas especializadas, mas nada como o que se pode ler atualmente. Este primeiro volume traz contos singelos do escritor, mas também tem críticas ferozes ao seu país e a instituições como o exército, cujos membros Twain chama de “assassinos uniformizados”.

Leia trechos (em inglês) da 

autobiografia de Mark Twain

 

Em sua autobiografia, Twain criticou também os magnatas de Wall Street, dizendo que eles destruíram a generosidade inata dos norte-americanos e a substituíram por ganância e egoísmo.

Um dado curioso sobre a obra é que os editores não tinham ideia de que Mark Twain ainda seria alvo de interesse popular. Acreditavam que o livro, escrito há mais de 100 anos, interessaria apenas a estudiosos do autor. Erraram. Agora, para o Natal, tiveram de rodar milhares de tiragens para dar conta da demanda. Hoje, o primeiro volume da autobiografia de Sam, como também é chamado Twain, é um best-seller nos Estados Unidos.

Não há previsão de lançamento da autobiografia no Brasil, mas a obra já pode ser encontrada nas principais livrarias norte-americanas e, também, em lojas virtuais, como a Amazon.

Mark Twain em movimento

Não há dúvida de que Mark Twain preparou com zelo sua imagem para a posteridade. Considerando-se as duras críticas expostas no primeiro volume da sua autobiografia, talvez até ficasse satisfeito com a alcunha de “o profeta zangado”. Um vídeo raro, no entanto, embaça essa imagem seca de Twain.

Não há dúvida de que Mark Twain preparou com zelo sua imagem para a posteridade

Nada demais, Twain não aparece fazendo movimentos perigosos ou tendo atitudes grotescas. Mas, um ano antes de sua morte, um dos maiores inventores de todos os tempos, Thomas Edison, registrou-o em sua casa, girando e girando pelo jardim e, depois, afável, jogando cartas com as filhas.

Um vídeo despretensioso, de 1909, quase 100 anos atrás, tão velho quanto a sua autobiografia. A dimensão do registro? Hoje, enorme, tanto pelo objeto filmado quanto por quem registrou a imagem. Twain tinha noção de que o registro hoje seria tão famoso (e raro)? É provável que não. Twain tinha noção de que sua autobiografia seria tão prestigiada 100 anos após sua morte? É provável que sim. Tempo rei.

Assista abaixo ao filme
mudo de Mark Twain (por Thomas Edison)

 


Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line