Uma odisseia brasileira no espaço

Quem foi o primeiro astronauta brasileiro? Não, caro leitor, não estamos falando do piloto e engenheiro da aeronáutica Marcos Pontes, e sim do Astronauta Pereira, personagem do cartunista Mauricio de Sousa que desde os anos 1960 singra os confins do universo nas histórias da Turma da Mônica.

A recém-lançada HQ Astronauta – Magnetar apresenta uma versão mais adulta e singular do nosso pioneiro do espaço, em uma aventura que também se destaca pela proposta de abordar conceitos científicos complexos de forma leve, divertida e precisa.

Em Magnetar, nosso intrépido compatriota transforma-se em um náufrago sideral quando um acidente atrapalha sua missão de coletar informações sobre um fascinante fenômeno intergaláctico chamado, justamente, magnetar – um tipo de estrela de nêutrons com campo magnético um quatrilhão de vezes mais poderoso que o da Terra.

Astronauta_paginas
A publicação é a primeira do novo selo Graphic MSP, que pretende contar histórias fechadas e mais adultas de persoangens clássicos criados por Mauricio de Sousa. (imagem: divulgação)

Roteirizada e ilustrada pelo quadrinista Danilo Beyruth, a obra conta com uma arte chamativa e soluções estéticas criativas para abordar, de forma muito sensível, a solidão do personagem, isolado, sozinho e preso ao magnético fenômeno espacial.

Pressionado por suas limitações físicas e pela experiência do pleno isolamento em meio à infinitude do espaço, ele busca uma saída para a situação extrema e para lidar com as memórias da vida que deixou na Terra.

A humanidade do texto reverbera no belo posfácio do navegador Amyr Klink – especialmente na imagem que constroi dos primeiros astronautas a vislumbrar a Terra, inteira e distante, a partir da Lua, nunca tão próximos de todos nós como naquele instante.Capa_astronauta

A publicação é a primeira do novo selo Graphic MSP, que pretende trazer histórias fechadas dos personagens de Mauricio de Sousa para um público mais adulto e dar mais visibilidade ao trabalho de artistas nacionais de destaque.

Beyruth é autor de histórias como Bando de dois, álbum lançado em 2010 e vencedor de três categorias do Troféu HQ Mix, e já havia participado da coletânea MSP+50, também com personagens do cartunista, quando reinterpretou a Turma do Penadinho. Astronauta – Magnetar tem cores de Cris Peter e chega ao mercado em duas versões, em capa dura ou cartonada, e papel de ótima qualidade. 

Ciência em quadrinhos

A publicação contou com uma espécie de consultoria técnica do astrofísico Eduardo Cypriano, da Universidade de São Paulo. Procurado por Beyruth no início do desenvolvimento da trama, ele foi o responsável por jogar o astronauta brasileiro em zona tão inóspita do universo. “O Danilo me procurou e disse que gostaria de contar uma ficção científica passada no sistema solar e colocar um personagem em apuros, preso a um potente campo magnético”, lembra Cypriano. “Expliquei que os campos magnéticos do sistema solar eram fraquinhos demais para o que ele queria e sugeri que explorasse o conceito de magnetar.”

Astronauta_espaço
Se levar o homem a Marte ainda é um sonho para a ciência, nosso Astronauta já vaga há décadas pelos confins do universo. A solidão em meio à infinitude do universo é um dos temas explorados de forma humana e poética por Beyruth. (imagem: divulgação)

Os demais detalhes científicos foram definidos a partir de orientações e sugestões do astrofísico e de muita pesquisa. Fã de autores como Isaac Asimov, Arthur Clark, Frank Herbert e Carl Sagan, mas estreante em histórias de ficção científica, Beyruth avalia como fundamental a colaboração de Cypriano e considera essencial a utilização de conceitos científicos concretos – a publicação conta até com um pequeno glossário com mais detalhes sobre os temas e personagens citados em suas páginas. “É importante respeitar essa base científica; ela torna a história mais plausível e o leitor percebe a ciência por trás daquilo”, acredita o quadrinista. “Esse respeito empresta força à ficção. Sem ele, tudo vira fantasia futurista.”

Por questões de agenda e de prazos, no entanto, não houve tempo para o astrofísico revisar a versão final do material. Cypriano destaca, porém, que o importante nesse tipo de obra é apresentar situações de forma realista, sem ‘forçar’ demais os conceitos científicos, mesmo que nem tudo seja extremamente fiel à realidade. “Nós, cientistas, sempre queremos que tudo seja o mais realista possível, adoramos filmes como 2001, que tem um cuidado científico acentuado”, avalia. “Mas a ciência deve trabalhar junto com a arte, não se tornar uma amarra, ou corremos o risco de criar uma aula chata e não uma história interessante de ficção científica.”

Astronauta_esqueleto
Isolado, sozinho e preso à gravidade do magnetar, Astronauta precisa lidar com as perspectivas de seu futuro e as lembranças de seu passado. A sugestão de um cenário tão inóspito partiu do astrofísico Eduardo Cypriano, que prestou consultoria ao autor. (imagem: divulgação)

Para Cypriano, iniciativas como essa, que aliam ciência e cultura popular, são ótimas oportunidades de apresentar novas questões científicas ao público. “Isso é fundamental no processo de familiarizar a sociedade com os conceitos científicos mais recentes”, avalia. “Séculos atrás, a gravidade era um conceito misterioso e desconhecido para o público, mas aos poucos fomos ganhando familiaridade com ela.” Para ele, a astronomia é uma ciência fantástica nesse sentido. Afinal, qual outra área da ciência consegue reunir número tão grande de amadores praticantes?

Astronauta – Magnetar
Danilo Beyruth (roteiro e ilustração), Cris Peter (cores)
São Paulo, 2012, Panini Comics
80 páginas – R$29,90 (capa dura), R$19,90 (capa brochura)


Marcelo Garcia

Ciência Hoje On-line

Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
Apesar de realmente ter um campo gravitacional intenso, o grande diferencial do magnetar é ter um dos maiores campos magnéticos estelares conhecidos. A sugestão do astrofísico Eduardo Cypriano de ambientar a história nas proximidades do magnetar teve justamente essa motivação. (12/11/2012)