Vacina contra a dengue, tratamento eficaz contra a hepatite C e a cura da Aids. Infelizmente, não foi possível incluir nenhuma dessas conquistas na retrospectiva de 2011. Essas e outras doenças infecciosas continuam representando desafios complexos de saúde pública. Por outro lado, a estabilização das epidemias de HIV e tuberculose, além de novos testes de vacinas e medicamentos, mostram que estamos avançando.
Um dos maiores entraves, no entanto, é a crise econômica mundial, que fez com que determinadas doenças enfrentassem quadros inéditos de redução de investimentos em pesquisa. Paralelamente, a emergência de doenças como hantavirose, febre maculosa e febre do oeste do Nilo apontam a necessidade de intensificar os estudos e reorientar as políticas de saúde.
Entre as questões de saúde pública que marcaram o ano no Brasil está a criação e a introdução no Sistema Único de Saúde de dois testes de diagnóstico de Aids capazes de detectar, além da presença do vírus HIV, evidências de rubéola, sífilis, toxoplasmose e hepatite B. O país também ganhou o primeiro centro de referência da Organização Mundial da Saúde (OMS) de monitoramento da resistência do HIV na América do Sul.
Na prevenção e no tratamento da Aids, uma pesquisa mostrou que o uso contínuo de antirretrovirais pode reduzir drasticamente o risco de transmissão da doença – o estudo foi considerado a descoberta do ano pela revista científica Science.
Em outro trabalho, pesquisadores desenvolveram um novo tratamento capaz de eliminar o vírus no interior das células, algo que os medicamentos atuais não conseguem. Novos protótipos de vacinas – como um brasileiro e outro americano – também apresentaram bons resultados em testes com animais.
Uma onda de otimismo se espalhou com a divulgação do relatório do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), que mostrou a estabilização da epidemia no mundo, uma tendência também observada no Brasil.
Para o infectologista Mauro Schechter, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a cura é possível, mas o problema está longe do fim. “O equilíbrio atual é fruto de avanços na pesquisa e nas políticas públicas, mas ainda há muitas pessoas infectadas”, afirma o pesquisador.
“Como já temos medicamentos muito avançados em termos de controle da replicação viral, nossa atenção começa a se voltar para a cura, tendência bem representada pela criação de um inédito comitê de cura no ACTG, maior grupo de pesquisa clínica em Aids do mundo, nos Estados Unidos”, avalia.
Apesar do panorama animador, a pesquisa em Aids sofreu um grave revés em 2011, com a redução, inédita e expressiva – de cerca de 10% – nos recursos investidos no estudo do HIV, reflexo da crise econômica mundial.
Relacionadas à Aids
Maior causa de morte entre pacientes com Aids, segundo dados do Ministério da Saúde, a tuberculose apresentou em 2011 uma queda no número de novos casos. Porém, a bactéria M. tuiberculosis está cada vez mais resistente às drogas disponíveis e o número de doentes nunca foi tão alto – o que levou a Europa a pensar em um plano de combate ao bacilo resistente.
Para enfrentar a tuberculose, o Brasil, ainda no fim de 2010, firmou acordo para a produção do medicamento 4 em 1 contra a doença, com o objetivo de evitar o abandono precoce do tratamento. Uma nova terapia que pode ser mais eficiente que os antibióticos tradicionais foi apresentada em 2011 por pesquisadores brasileiros.
Segundo outro levantamento da OMS deste ano, a hepatite – também muito comum em casos de coinfecção com o HIV – já afeta um terço da população mundial e causa um milhão de mortes anuais. Este ano, o Brasil lançou um novo protocolo para o tratamento da hepatite C, que visa facilitar o acesso à terapia, e aprovou a entrada no país de dois novos medicamentos.
O combate às duas doenças também teve novidades no campo das vacinas. Em 2011, foi descrito o genoma completo da vacina BCG usada no Brasil e foram realizados testes com dois possíveis imunizantes: um dinamarquês, capaz de reduzir o risco de coinfecção da tuberculose com a Aids, e outro francês, contra a hepatite C.
A década das vacinas
O campo das vacinas protagonizou diversas outras conquistas. Para Ricardo Gazzinelli, imunologista do Centro de Pesquisa René Rachou (CPqRR/Fiocruz), a boa notícia não é fruto do acaso, mas sim resultado de muito investimento e dos grandes avanços na manipulação genética e na imunologia.
Um exemplo desse esforço foi o investimento, anunciado ainda em 2010 pela Fundação Bill e Melinda Gates, de R$ 25 bilhões para transformar esta na ‘década das vacinas’. “A maioria dos imunizantes existentes foi criada de forma empírica; agora podemos construir, de forma mais racional, novas e melhores vacinas”, avalia Gazzinelli.
Nesse contexto, o Brasil fechou em 2011 uma parceria com os Estados Unidos que pode levar à produção de imunizantes a partir de plantas – em vez de vírus. Outras três potenciais vacinas contra a malária também ganharam visibilidade – uma delas, na última fase de testes clínicos na África, e outras duas, desenvolvidas na Espanha e no Reino Unido, que começarão a ser testadas em humanos no próximo ano.
Ainda em relação à malária, novas estatísticas divulgadas pela OMS mostram uma queda de 20% nas mortes relacionadas à doença na última década, e um atlas mundial da enfermidade identificou a incidência do Plasmodium vivax – parasita da malária mais comum no território brasileiro – como um desafio à sua erradicação.
Velhas e novas ameaças
Outra doença que poderá, em breve, ter sua primeira vacina anunciada é a dengue. Em 2011 foi iniciada a segunda fase dos testes clínicos de uma candidata internacional, que vai abranger cinco estados do Brasil e mais 13 países. Outro imunizante, este brasileiro, começou a primeira fase de testes clínicos em outubro.
O ano da dengue também foi marcado pela descoberta de uma relação entre a infecção pelo vírus e a atividade do Aedes aegypti, além de novas estratégias de controle do mosquito, implementadas na Austrália e na Malásia. A infectologista Claude Pirmez, vice-presidente de pesquisa da Fiocruz, também destaca a reintrodução do vírus quatro no Brasil após 28 anos e sua disseminação pelo país no início de 2011, uma ameaça para o próximo verão.
Além de dengue, hepatite, tuberculose e outras velhas conhecidas dos brasileiros, durante o ano também estiveram em pauta a emergência e reemergência de doenças infecciosas bem menos comuns, como hantavirose, febre maculosa, febre do oeste do Nilo e febre Q.
“São todas doenças perigosas, muitas sem tratamento específico e difíceis de diagnosticar. A maioria é de origem animal e está relacionada com alterações do meio ambiente, como a destruição das florestas”, diz Pirmez. “Nesses casos, a saúde brasileira precisa trabalhar de forma prospectiva, avaliando riscos e não apagando incêndios, como tem sido frequente”, avalia.
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line