Versáteis e premiadas

Elas são tema de pesquisa básica e de diversos ensaios clínicos envolvendo o estudo e o tratamento das mais variadas doenças, de infarto e infertilidade a problemas neurológicos. Frequentemente, são apontadas como uma das melhores apostas para a medicina do futuro e, neste ano, tiveram ainda mais destaque em função do Nobel de Medicina. Tanta fama fez com que as células-tronco ganhassem um lugar especial em nossa retrospectiva.

Em 2012, experimentos envolvendo fertilização colocaram as células-tronco nos holofotes. Um dos que chamaram a atenção por suas possíveis aplicações práticas foi a criação de óvulos férteis de camundongos a partir de células-tronco de pluripotência  induzida (iPS). Essas células-tronco, obtidas de células adultas, têm a capacidade de se transformar em qualquer tecido, mas por anos cientistas tentavam desenvolver células sexuais. 

A equipe responsável pelo feito, liderada por Mitinori Saitou, da Universidade de Quioto, no Japão, já havia criado no ano passado espermatozoides também a partir de iPS de camundongos. Por enquanto, a criação dessas células só foi feita com animais. Mas se a técnica for aplicada em humanos também com sucesso, será possível para as mulheres obter óvulos fresquinhos e férteis em qualquer idade, mesmo depois da menopausa.

Além disso, existe a curiosa – e também polêmica – possibilidade de que pessoas de mesmo sexo consigam ter filhos biológicos a partir, por exemplo, da fertilização de um óvulo obtido com células iPS de um indivíduo por um espermatozoide de seu parceiro. 

Pesquisa com células-tronco abre possibilidade futura de que pessoas de mesmo sexo consigam ter filhos biológicos

Outro estudo na área da fertilização que merece ser lembrado é a confirmação de que existem células-tronco nos ovários capazes de formar ovócitos – células que dão origem aos óvulos. O líder do estudo, Jonathan Tilly, da Escola de Medicina da Universidade Harvey, nos Estados Unidos, conseguiu, em 2009, isolar essas células em camundongos – desafiando a crença de que as mulheres já nascem com um número fixo de óvulos.

Este ano, ele e sua equipe identificaram as mesmas células em tecidos ovarianos de mulheres entre 20 e 30 anos. As células recém-descobertas são raras, 1 em cada 10 mil células do ovário, mas mostraram que crescem rapidamente em laboratório. 

A bióloga Lygia Pereira, da Universidade de São Paulo (USP), pondera que as duas pesquisas ainda são incipientes e precisam ser replicadas, mas acredita que são igualmente promissoras.

“No caso das células derivadas do ovário temos a vantagem imediata de que a célula naturalmente já faz isso e podemos multiplicá-la em laboratório”, diz a pesquisadora. “Já o que fizeram em camundongos também é sensacional, apesar de ter um trajeto mais longo, pois para transformar uma célula em iPS leva uns três meses.” E completa: “Ainda assim, são duas alternativas muito boas para estender a fertilidade feminina.”

Mais simples

As células-tronco podem ser obtidas diretamente de embriões e de algumas partes do corpo – como medula óssea, gordura e cérebro – ou, em teoria, de qualquer célula adulta que passe por uma indução em laboratório. A última opção tem recebido mais atenção por ser menos restrita e não esbarrar em impedimentos éticos, como no caso do uso de embriões. 

Mas a técnica para gerar uma célula iPS ainda é demorada e invasiva. Geralmente, esse tipo de célula-tronco é obtido de tecidos corporais – como a pele – por meio de biópsia. Entretanto, este ano, dois experimentos mostraram que é possível simplificar esse procedimento.

Sangue
Pesquisadores conseguiram obter células-tronco a partir do sangue. A nova técnica pode facilitar terapias futuras com esse tipo de célula coringa. (foto: Canadian Blood Services/ Flickr – CC BY-NC 2.0)

Pesquisadores da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, conseguiram criar iPS a partir de células do sangue chamadas endoteliais, matéria-prima dos vasos sanguíneos. O feito torna o processo quase indolor e mais simples, já que pacientes e hospitais estão acostumados com exames de sangue. Outra opção, ainda mais descomplicada e também apresentada este ano, é gerar iPS a partir de células excretadas na urina.

Esses atalhos podem facilitar a implementação da chamada medicina regenerativa, que usa as próprias células para curar. As células-tronco são uma das principais apostas desse tipo de tratamento. Implantadas em locais específicos do corpo, elas podem vir a recuperar tecidos e órgãos doentes.

“Esses experimentos trazem progressos incrementais, não vão mudar o rumo da pesquisa de células-tronco, mas tornam o método de obter essas células mais simples e isso é um avanço prático importante”, pontua o biólogo Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Quase lá

Apesar de tantos estudos, o único tratamento em curso e aprovado para uso em humanos com células-tronco é o transplante de medula óssea, aplicado em casos de doenças do sangue, como a leucemia. A maioria das pesquisas com células-tronco está em fase de testes em laboratório ou com animais. Testes clínicos em humanos, no entanto, já são uma realidade. Existem no mundo cerca de 270 estudos clínicos em fase adiantada, ou seja, com um grande número de pacientes.

Um estudo de destaque publicado este ano foi conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Eles retiraram células-tronco neurais, que já nascem conosco, de cérebros de fetos doados para pesquisa e transplantaram no cérebro de crianças com Pelizaeus-Marzbacher, uma doença degenerativa rara que leva à morte em cerca de 10 anos. 

Existem no mundo cerca de 270 estudos sobre células-tronco com humanos em fase adiantada

As pessoas com essa síndrome sofrem com falta de mielina, uma substância que envolve as fibras dos nervos e permite que os impulsos nervosos viajem pelo cérebro. A sua ausência impede a comunicação entre os neurônios e afeta as funções neurológicas. Nas crianças que participaram do estudo, um ano depois do transplante, as células-tronco se incorporaram ao cérebro e se transformaram em células que produzem a mielina.

Células-tronco no cérebro
Células-tronco neurais se incorporaram ao cérebro de crianças com problemas neurológicos e recuperaram as fibras nervosas antes danificadas. (imagem: Universidade da Califórnia)

A medicina regenerativa também se mostrou mais próxima da realidade em um estudo clínico realizado no Hospital Johns Hopkins e no Instituto do Coração do Cedars-Sinai, nos Estados Unidos. Pesquisadores injetaram no coração de pacientes que sofreram infarto células iPS geradas a partir de seus próprios tecidos cardíacos.

A terapia experimental foi testada com 25 pessoas, 8 não receberam nada e 17 receberam as células-tronco. A melhora no grupo sob tratamento foi visível. Um ano depois do procedimento, esses pacientes tiveram aumento do tecido muscular saudável e uma redução de aproximadamente metade no tamanho da cicatriz deixada no órgão depois do ataque cardíaco.

Para Lygia Pereira, esses estudos mostram o rápido avanço das pesquisas com células-tronco. “Há quinze anos pensávamos que demoraria muito até termos resultados concretos na pesquisa com terapias e agora estamos vivendo um momento muito interessante com o começo dos testes dessas células que sabemos que podem regenerar tecidos em seres humanos”, diz. “Temos que esperar para ver onde vai dar.”


Sofia Moutinho

Ciência Hoje On-line