A vida de Charles Darwin é um livro aberto, ou melhor, uma carta aberta. Não são os livros a maior fonte de informações sobre o cientista, mas sua correspondência. Darwin trocou cartas com mais de duas mil pessoas ao longo de sua vida. Cerca de nove mil delas estão guardadas na Biblioteca de Cambridge, na Inglaterra. A boa notícia é que parte desse acervo – 1.400 correspondências trocadas entre Darwin e o botânico inglês Joseph Dalton Hooker – está sendo disponibilizado, na íntegra, on-line.
A iniciativa é fruto de uma parceira entre a biblioteca e a página Darwin Correspondence Project, que já disponibiliza diversas cartas digitalizadas do cientista. A previsão é de que até o fim do ano todas as cartas trocadas entre os amigos estejam na internet com transcrição e notas.
“Nenhum conjunto de cartas foi mais importante para Darwin do que essas trocadas com Hooker”, diz um dos coordenadores do projeto, o historiador Jim Secord, da Universidade de Cambridge. “Elas representam 10% de toda a correspondência que temos dele e nos revelam cada aspecto de seu trabalho científico, bem como da amizade com Hooker e da vida pessoal de ambos.”
Darwin começou a trocar cartas com Hooker em 1843, depois que o botânico voltava de uma expedição à Antártica e manifestou interesse em estudar as amostras de plantas coletadas por Darwin na viagem do Beagle. Os dois continuaram a se escrever até a morte de Darwin, em 1882. Nesse meio tempo, compartilharam ideias científicas, alegrias e pesares.
Em uma das cartas mais célebres que enviou para Hooker, em 1844, quando ainda não tinha publicado A origem das espécies, Darwin deixa antever sua convicção de que “as espécies não são imutáveis”. A ideia era tão revolucionária para a época que o cientista compara compartilhá-la com “confessar um assassinato”.
As correspondências mostram que Hooker não só foi um dos primeiros a ouvir as ideias de Darwin sobre a seleção natural, como também teve papel decisivo para que o cientista fosse conhecido como o pai da teoria da evolução.
Em 1858, Darwin recebeu uma carta do naturalista Alfred Russel Wallace descrevendo uma ideia muito semelhante à teoria da seleção natural, até então não publicada. Quem resolveu o impasse foi Hooker. O botânico arranjou para que a carta de Wallace fosse publicada simultaneamente com um artigo de Darwin sobre o mesmo tema, assegurando que o cientista não ficaria para trás na autoria da teoria da evolução.
Hooker também foi um dos poucos cientistas para quem Darwin enviou manuscritos de A origem das espécies para apreciação. Uma das cartas revela que o botânico não tomou o cuidado que deveria com os escritos de Darwin. Hooker guardou um capítulo da obra no armário onde sua esposa colocava papéis de rascunho para as crianças desenharem. O resultado foi desastroso: um quarto do manuscrito ficou coberto de rabiscos.
Apesar do incidente, Hooker e Darwin eram bons amigos. Em uma das cartas, Hooker compartilha com o amigo o sofrimento de perder uma filha, Maria, de seis anos. Darwin, que já tinha visto falecer dois filhos, consola o botânico.
Ativista pelos animais
As cartas também relatam outro lado curioso da vida de Darwin. O cientista, conhecido por não se envolver em discussões públicas, chegou a fazer lobby no parlamento inglês em favor dos direitos dos animais. Em cartas trocadas com Hooker e outros acadêmicos, o cientista apresenta sua proposta de lei para regulamentar a vivissecção, procedimento em que um animal vivo é dissecado para estudo.
Darwin defendia punições para quem praticasse “tortura” “por mera curiosidade”. Já naquela época, ele mostrava que ser a favor dos animais não significa, necessariamente, ser contra o avanço da ciência:
“Tenho trabalhado todo o tempo em Londres na questão da vivissecção”, escreve para Hooker. “O meu objetivo é proteger os animais e ao mesmo tempo não prejudicar a fisiologia. Se alguns experimentos têm sido feitos com muita frequência e sem o uso de anestésicos, a cura deve estar no progresso dos sentimentos humanitários.”
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line