Afinal, quanto o Brasil emite?

Chega ao fim hoje a COP-15 em clima de impasse, sem uma proposta global para a redução da emissão de gases do efeito estufa. O Brasil levou a Copenhague o compromisso de reduzir entre 36% e 39% suas emissões em 2020. Mas a meta foi calculada em cima do que se espera que o país emita daqui a 10 anos e não a partir de um ano-base, como fez a maioria dos países.

O único levantamento oficial das emissões brasileiras feito até hoje é de 1994. Desde então não há um consenso sobre que volume de gases-estufa o país lançou na atmosfera. Estimativas recentes de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) apontam um crescimento de 17% nas emissões de 1994 a 2005; já dados preliminares do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) citam um aumento de 51% no mesmo período.

O único levantamento oficial das emissões brasileiras feito até hoje é de 1994.

Não é possível saber a que se deve essa discrepância tão significativa. O MCT divulgou apenas os valores finais de emissões por cada setor (agropecuária, energia, uso da terra e florestas e tratamento de resíduos), sem detalhes sobre como foram calculados. “Fica difícil avaliar esse número porque não é claro o modo como se chegou a ele, não sabemos a metodologia nem os critérios adotados”, diz o engenheiro agrônomo Carlos Cerri, pesquisador da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP, e autor principal da estimativa feita nessa universidade.

A previsão era de que o inventário do MCT só fosse divulgado em 2010, mas a COP-15 acabou antecipando a divulgação dos resultados preliminares do levantamento, feito por uma equipe de 700 especialistas de 150 instituições. Parte dos dados do novo inventário foi usada para estipular a meta de reduções brasileira e uma primeira versão do relatório final deve ser publicada no início do ano que vem, quando haverá uma consulta pública sobre o documento. 

Emissões brasileiras de gases-estufa (gráfico)
O gráfico mostra o aumento de emissões de gases-estufa por setor, segundo dados preliminares do Ministério da Ciência e Tecnologia. A categoria “Mudança de uso da terra”, além do desmatamento, inclui as emissões de CO2 por aplicação de calcário em solos agrícolas (fonte: MCT).

Além dessas estimativas, foi divulgado também um levantamento preliminar do Ministério do Meio Ambiente (MMA) que cita um aumento de 40% das emissões em 2007 em relação a 1994. Tasso Azevedo, responsável pela elaboração da estimativa, disse em seu Twitter que a discrepância entre os números do MMA e do MCT se deve ao fato de que o inventário deste último usou como padrão para cálculo uma quantidade maior de CO2 por hectare desmatado.

Dentre as três estimativas, os dados preliminares do MCT pintam o cenário mais pessimista. O relatório mostra que, em 1994, o Brasil havia emitido 1,4 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa e que esse número subiu para cerca de 2,2 bilhões em 2005. O aumento é quase o dobro da média mundial de crescimento de emissões, 28,1%.

Tanto os dados do MCT quanto os resultados da pesquisa da USP revelam que o desmatamento, apesar de ser responsável por mais da metade das emissões, vem perdendo espaço para outros setores, como o energético. Segundo o estudo da USP, os gases-estufa devidos à derrubada da floresta cresceram 8,1% entre 1994 e 2005, enquanto as emissões provenientes dos setores de energia, agropecuária, indústria e lixo aumentaram 41%.

Desmatamento na Amazônia
O desmatamento responde por mais da metade das emissões brasileiras, mas vem perdendo espaço para outros setores (foto: Ricardo Funari).

Pecuária no alvo

O setor energético foi o que apresentou os maiores níveis de crescimento –  44% –, mas os pesquisadores acreditam que o mais preocupante no momento é a pecuária. Além de ser a atividade econômica que mais emite metano, exalado durante a fermentação entérica (nome que os especialistas dão aos gases gerados na digestão – o ‘arroto dos bois’), a criação de gado também é responsável por grande parte do CO2 emitido, proveniente das queimadas.

“Para reduzir as emissões do setor de energia são necessários grandes investimentos em longo prazo”, diz Cerri. “Já a pecuária é mais fácil de resolver e gera um retorno mais rápido. Com a melhoria das técnicas pecuárias, além de reduzir as emissões, teríamos áreas remanescentes que poderiam ser usadas para plantio de alimentos”

A pecuária responde por 48% dos gases-estufa emitidos pelo Brasil em 2005, segundo pesquisa do Inpe

A pecuária responde por 48% dos gases-estufa emitidos pelo Brasil em 2005, segundo uma pesquisa recente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O levantamento – que não considerou as emissões vindas da degradação do solo, do transporte do gado e do uso de energia pelos frigoríficos – aponta que a maior parte das emissões do setor vem do desmatamento para formação de novas pastagens. Na Amazônia, três quartos do desmatamento é proveniente da pecuária. Já no caso do cerrado, o estudo mostra que a taxa é 56,5%.

O rebanho bovino brasileiro aumentou cerca de 40% entre 1990 e 2005 e o país é hoje o maior exportador mundial de carne bovina, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, a criação de gado polui muito mais do que traz lucro para o país. “A pecuária corresponde a menos de 2,5% do nosso PIB”, diz Walfredo Schindler, presidente superintendente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável.

“Se investirmos na melhoria da produtividade do rebanho, será um ganho muito grande não só na redução das emissões, mas também para a economia do país”, diz Schindler. Segundo ele, o apoio do governo por meio de projetos de educação dos pecuaristas seria a solução mais viável mais tornar a pecuária sustentável. “Hoje temos uma cabeça de gado por hectare e poderíamos facilmente chegar a duas ou três cabeças por hectare.”

Estimativas da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO, na sigla em inglês) apontam que a demanda por carne bovina crescerá nos próximos anos devido ao aumento da população e da renda em países em desenvolvimento. Esse cenário é alarmante, porém já existem soluções para tornar a pecuária mais intensiva e sustentável.

“O problema da pecuária hoje é que ela usa extremamente determinadas áreas, usa os recursos naturais e depois desmata”, diz Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia  (Imazon) e autor de um estudo, apresentado na COP-15 [PDF], que apresenta os desafios para uma pecuária mais sustentável na Amazônia. ”A solução é usar melhor a área que já foi desmatada e cuidar melhor do solo, por meio de fertilização e do plantio de leguminosas que podem usadas para alimentar o gado.”

Pecuária
Responsável por três quartos do desmatamento na Amazônia, a pecuária é uma das atividades que mais emite gases-estufa. O Brasil é hoje o maior exportador mundial de carne bovina (foto: J. Marconi).

Segundo o pesquisador, a intensificação da produção, que hoje é em sua maioria extensiva, é fundamental. Além disso, são necessárias medidas governamentais de controle da oferta de gado ilegal, criado em área de desmatamento. Para isso, Barreto sugere que seja implantado em todo o país um sistema de rastreamento individual do gado via satélite. Dessa forma, tanto os órgãos fiscalizadores quanto o comprador da carne poderiam se certificar de que o rebanho não está pastando em áreas desmatadas.

“Os setores que crescem baseados no desmatamento vão ter que se ajustar para melhorar a produtividade”, diz o pesquisador. “É preciso que as pessoas busquem mais tecnologias sustentáveis porque o mercado demanda cada vez mais por produtos de empresas com compromisso ambiental.”

Meta brasileira

Além das diferentes estimativas para as emissões brasileiras, outro cálculo que pode gerar confusão é o das metas de redução adotadas pelos países integrantes da COP-15. Isso porque não há padronização – cada país escolheu uma metodologia diferente para calcular seus limites de emissão.

Cada país escolheu uma metodologia diferente para calcular seus limites de emissão

“Países comprometidos em Kyoto anunciaram metas com relação ao primeiro inventário de gases de efeito estufa feito pelos países Anexo I, que tem como ano base 1990’, explica Walfredo Schindler. “Já alguns países em desenvolvimento declararam seus compromissos baseados no ano de 2005”.

Para saber realmente quanto cada país está se comprometendo a reduzir, Schindler e Luis Alberto Saporta, também da FBDS, elaboraram um estudo comparativo das metas. Segundo eles, se cumprir a meta de 37%, o Brasil emitirá, em 2020, 15% a mais do que em 1994. Por outro lado, em relação a 2005, haverá uma redução de 22% nas emissões, maior que a meta norte-americana de 17%.

Apesar do cenário positivo, a meta brasileira baseada em projeções não agrada a todos. Para Carlos Cerri a meta deveria ter sido estipulada em relação a um ano-base. “Projeção é sempre algo incerto, não sabemos como serão os processos de mitigação daqui a 10 anos ou se haverá uma crise”, diz o pesquisador.

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line