Agressividade prevista

Um programa de computador criado por pesquisadores brasileiros da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) pode tornar mais preciso o prognóstico do câncer de pulmão e servir de guia para que os médicos receitem tratamentos específicos para cada paciente de acordo com a agressividade do tumor.

O câncer de pulmão é o mais comum dos tumores malignos. Somente no ano passado, a doença fez mais de 27 mil vítimas no Brasil, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca). Ele também é altamente letal; estima-se que 86% das pessoas que o desenvolvem morrem em sua decorrência em até cinco anos após o diagnóstico.

Atualmente, para saber se um tumor maligno de pulmão vai crescer e se espalhar pelo organismo de forma agressiva ou não, os médicos contam apenas com análises anatômicas, que não têm alto nível de precisão. Somente para alguns casos detectados já em estágio avançado existe a possibilidade de prever se o tumor é agressivo pela identificação de uma mutação no chamado receptor do fator de crescimento tumoral. Mas além de ser um procedimento caro e pouco disseminado, essa não é a regra.

Atualmente, para saber se um tumor de pulmão vai crescer e se espalhar pelo organismo de forma agressiva, os médicos contam apenas com análises anatômicas

Em busca de biomarcadores que pudessem indicar a agressividade de um tumor, os pesquisadores da UFRGS se depararam com a cofilina, uma proteína natural do nosso organismo relacionada à migração das células. Estudando amostras de tumores e dados clínicos de pacientes com câncer de pulmão de vários países, eles perceberam que a quantidade dessa substância está diretamente ligada a sua agressividade: quanto mais cofilina, mais agressivo é o câncer.

“O tumor não inventa nada de novo para se manter no nosso organismo, ele usa processos fisiológicos que já temos”, diz o líder da pesquisa, o biólogo Fábio Klamt. “Ele usa a cofilina, que é natural das nossas células, para provocar metástase, ou seja, se espalhar pelo nosso corpo. Então, pela detecção dessa proteína podemos predizer a agressividade da doença.”

Foi depois de estudar a relação da cofilina com a agressividade do tumor por quase dez anos que o pesquisador teve a ideia de automatizar a detecção da substância, o que permite que o processo possa ser usado amplamente no sistema de saúde.

Cofitest
Clique na imagem e confira passo a passo como funciona o Cofitest, exame automatizado para prever a agressividade do câncer de pulmão. (imagem: Fabio Klamt)

Inicialmente, foi preciso mudar a técnica até então adotada pelos pesquisadores no laboratório da universidade para quantificar proteína em uma amostra de tumor retirada por biopsia. A análise era feita por um método sofisticado e caro conhecido como microarranjo, que não está disponível em qualquer hospital. Então a equipe de Klamt desenvolveu uma nova forma de detecção usando um procedimento rotineiro em clínicas e hospitais, a imuno-histoquímica, que destaca visualmente a presença da proteína.

“Nós nos aproveitamos de uma cadeia que já está montada, pois para diagnosticar o paciente é preciso fazer a biopsia e submeter a amostra de tumor a um serviço de patologia, que está disponível em qualquer hospital e tem condições de preparar o material para um exame de imuno-histoquímica”, diz a biomédica responsável pela implementação da técnica Carolina Müller. 

Com apoio de pesquisadores do setor de computação da UFRGS, Klamt automatizou esse processo e o batizou de Cofitest. Com ele, a imagem da amostra com a cofilina é submetida a um programa de computador capaz de quantificar a proteína e então classificar o tumor segundo sua agressividade.

Tratamento dirigido

Com essa informação rapidamente em mãos, os médicos podem pensar em tratamentos mais específicos para cada paciente. “Se o Cofitest for aplicado e indicar agressividade, o médico tem a possibilidade de recomendar uma terapia igualmente agressiva mesmo em estágio inicial, o que hoje não é feito”, diz Klamt. “Em geral, o que vemos na clínica é a prescrição de terapias e drogas não específicas que têm muitos efeitos colaterais e nem sempre funcionam se o tumor for agressivo.”

Em teoria, a cofilina pode servir como biomarcador para qualquer tipo de câncer

Apesar de ter sido estudada para os tumores de pulmão, o pesquisador aponta que, em teoria, a cofilina pode servir como biomarcador para qualquer tipo de câncer. “Alguns estudos já estão sendo conduzidos com câncer de próstata e mama”, pontua.

Klamt já fez o pedido da patente do Cofitest e conta que está em negociação com o Ministério da Saúde, por meio do Inca, para que o teste passe a ser usado no sistema de saúde. “Desenvolvemos um produto inovador e nacional que seria muito benéfico no SUS e ainda pode ser usado como estudo de caso para desenvolver a patologia digital no Brasil”, conclui o biólogo. 

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line