Membranas de cerâmica criadas no Brasil podem ser a nova esperança para reduzir os problemas da falta de água potável no Nordeste. A técnica promete desenvolver um pré-tratamento eficiente de baixo custo no processo de dessalinização da água salobra retirada de poços da região do semi-árido. Atualmente, estima-se que cerca de 80% desses poços são de água do tipo salobra, imprópria para o consumo, por conter em sua composição cerca de 500 miligramas de sais por litro, quantidade bem acima da tolerada pelo organismo humano.
Ainda em fase de testes, a técnica foi desenvolvida no Laboratório de Referência em Dessalinização (Labdes), da Universidade Federal de Campina Grande (PB), em parceria com a Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ). Os objetivos principais são desenvolver uma tecnologia capaz de aproveitar a água disponível nos aqüíferos da região e diminuir a dependência brasileira pela membrana do tipo polimérica, já bastante utilizada em países como Estados Unidos, Argentina e Japão.
Esse uso das membranas é inovador, de acordo com o engenheiro químico Kepler Borges França, um dos pesquisadores do Labdes. “É a primeira vez que se tenta tornar a água salobra, tão abundante na região, própria para o consumo”, afirma ele. “Tanto no Brasil, como no exterior, prevalecem as membranas poliméricas, obtidas por reações químicas em cadeia, a exemplo do plástico”.
O laboratório também trabalha com membranas desse material, mas tem investido seus esforços na elaboração das feitas de cerâmica, que apresentam diversas vantagens em relação às poliméricas, tais como produção mais simples e barata, maior resistência ao pH muito ácido ou muito básico, manutenção fácil e tempo de vida maior, de em média 15 anos.
Sobre seu processo de fabricação, França explica que as membranas de cerâmica são feitas do mesmo modo que a cerâmica convencional usada nos filtros de água caseiros. A principal diferença está no tamanho dos poros, pequenos o suficiente, no caso das membranas, para reter microrganismos e outros elementos de natureza inorgânica.
Já com relação à manutenção do equipamento, o engenheiro químico ressalta a importância de se capacitar as comunidades locais para que elas mesmas possam operar e limpar os tanques de tratamento. “A limpeza é bastante simples. Basta se ter cuidado para não quebrar as membranas, que são frágeis, como todo objeto de cerâmica”, atenta França. “Além disso, o concentrado produzido no processo pode ser usado para outros fins, como a irrigação de plantas halófitas e criação de peixes”, lembra o pesquisador.
Osmose inversa
A filtragem da água salobra é feita por osmose inversa, processo em que a água dos poços é submetida a uma pressão externa, maior que a pressão osmótica do próprio líquido, sobre as membranas de cerâmica. Estas, por sua vez, estão acomodadas em módulos que só permitem a passagem da água pura, provocando a formação de duas correntes, uma de água concentrada com sais, e a outra no interior do módulo, de água pura. Para realizar tal pressão, é necessário o uso de uma bomba movida a energia elétrica.
Com relação à produção em escala industrial e comercialização das membranas no Brasil, França estima que elas cheguem ao mercado em dois ou três anos. “Trata-se de um mercado bastante promissor, uma vez que a demanda pelas membranas tem aumentado cada vez mais”, destaca o pesquisador. “Além do tratamento da água, elas possuem diversas utilizações, como, por exemplo, nas indústrias de alimentos e bebidas, na fabricação de tintas ou máquinas de hemodiálise usadas nos hospitais”, justifica França.
Andressa Spata
Ciência Hoje On-line
28/02/2008