Ainda não foi desta vez

 

Há mais de 40 anos astrônomos do mundo todo buscam sinais das chamadas ondas gravitacionais – flutuações do espaço-tempo previstas pela teoria da relatividade geral de Einstein que seriam causadas por objetos cósmicos densos e acelerados, como buracos negros.

Uma das principais iniciativas criadas para detectá-las divulgou esta semana os resultados de suas mais recentes tentativas. As ondas gravitacionais ainda não foram detectadas diretamente, mas os cientistas têm o que comemorar.

Os dados foram gerados pelo Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser – ou Ligo, na sigla em inglês. Os detectores do Ligo ficam situados em dois pontos dos Estados Unidos e estão em atividade desde 2002. Os resultados de sua busca foram publicados esta semana na revista Nature, em um artigo assinado por mais de 600 cientistas.

Para o leigo, o resultado pode soar como um fracasso, mas a avaliação do cosmólogo Vuk Mandic, pesquisador da Universidade de Minnesota (EUA) e um dos coordenadores do estudo, é bem diferente. Segundo ele, as observações ajudam a entender a evolução do universo nos segundos seguintes à sua origem.

“Mesmo a não detecção das ondas gravitacionais nos permite aprender algo sobre o universo”, explica Mandic em entrevista à CH On-line. “Em outras palavras, o resultado de nossas pesquisas nos diz o que o universo não é.”

Revendo os modelos
O cosmólogo se refere a modelos do universo que precisarão ser revistos em função desses resultados. Os novos dados permitiram aos cientistas descartar a posibilidade de haver ondas que teriam uma fração de energia em relação à energia total do universo acima do novo limite estabelecido pelo Ligo na frequência que seus aparelhos detectam.

No entanto, será preciso redefinir modelos que previam ondas gravitacionais de grande amplitude, como o das supercordas. Acreditava-se que essas estruturas previstas em algumas teorias produziriam grandes quantidades de ondas gravitacionais perceptíveis na frequência varrida pelos interferômetros do Ligo. Como não foram detectadas essas ondas, mesmo que existam as supercordas, agora se sabe que elas devem ser diferentes do que se postulava até aqui. “Nossos resultados delimitam os parâmetros e valores referentes às supercordas”, resume Mandic. “Se esses objetos existem, seus parâmetros têm que ser mudados para se adaptar às medições que fizemos.”

Vista aérea das instalações do observatório Ligo em Hanford, no estado de Washington, nos Estados Unidos (foto: Ligo Laboratory).

Os novos dados ainda não permitem determinar qual dos três modelos mais aceitos para a evolução do universo (se o da inflação – ou do Big Bang –, o das cordas cósmicas ou o do “sem Big Bang”) é o mais condizente com as observações.

“Ainda não é possível descartar nenhuma dessas principais teorias sobre o universo, pois elas têm frações de energia da total abaixo daquela que o Ligo estabelece para aquelas frequências“, explica o astrofísico brasileiro Odylio Aguiar, do lnstituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que não participou do estudo.

Mas os pesquisadores esperam que isso seja possível já em 2014. Para isso, eles contam com o Advanced Ligo, projeto de 205 milhões de dólares para aperfeiçoar os interferômetros desse observatório. Os novos detectores serão dez vezes mais sensíveis em amplitude que os atuais. “Com esses detectores poderemos aprender sobre como era o universo no momento em que as primeiras ondas gravitacionais foram produzidas”, acredita Mandic.

Brasil também está na corrida
O Brasil também está inserido no cenário de busca pelas ondas gravitacionais e possui o detector Mario Schenberg, em fase de aperfeiçoamento na Universidade de São Paulo (USP). Diferentemente dos aparelhos do Ligo, que operaram em bandas largas de frequência, o brasileiro é um detector esférico, do tipo massa ressonante, e opera em bandas mais estreitas.

Segundo Odylio Aguiar, que trabalha no desenvolvimento desse observatório, o detector brasileiro possui uma importante vantagem sobre o americano: é capaz de identificar a direção das ondas gravitacionais. Isso permite conhecer que objeto gerou a onda. “Nosso detector é mais sofisticado que o do Ligo porque separa melhor o que pode ser sinal do que é ruído”, explica. “Ainda não temos condições de contribuir com dados científicos, mas acredito que antes de 2014 ele já esteja funcionando a pleno vapor”, prevê. 

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line
19/08/2009