Álcool e os sete (ou mais) cânceres

A forma mais direta de descrever a conclusão de um estudo que neste momento está ‘bombando’ na mídia é assim: álcool causa sete tipos de câncer. E, mesmo em doses baixas e moderadas, aumenta o risco da doença. Mais: há evidências de que essa lista seja ainda mais longa. E, antes que comece a grita, alegando exagero, é preciso, desde já, enfatizar que esses resultados passaram por pareceristas técnicos. O artigo está na edição de 22 de julho do periódico Addiction, da Sociedade para o Estudo da Adicção, periódico que tem sido publicado ininterruptamente desde 1884.

Em essência, o trabalho – cuja autora é Jennie Connor, do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Universidade de Otago (Nova Zelândia) – analisa amplos artigos de revisão feitos nos últimos 10 anos sobre o tema por instituições de renome: Fundo de Pesquisa Mundial sobre o Câncer, Organização Mundial da Saúde e Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer.

Na conclusão do artigo, lê-se: “Há fortes evidências de que o álcool causa câncer em sete locais do corpo e provavelmente em mais regiões. Estimativas atuais sugerem que os cânceres nesses locais causados pelo álcool perfazem até 5,8% de todas as mortes por esse quadro no mundo. A confirmação dos mecanismos biológicos específicos pelos quais o álcool aumenta a incidência de cada tipo de câncer não é necessária para inferir que o álcool é a causa”.

Em resumo: as evidências atuais permitem passar de uma mera ‘associação’ para uma ‘associação causal’. Os sete tipos de cânceres são: faringe, laringe, esôfago, intestino, reto, mama e – talvez, a relação mais conhecida do grande público – fígado. Mas, segundo Connor, há também cada vez mais evidências de que a bebida cause câncer no pâncreas, na próstata e na pele.

Pesquisa feita no Reino Unido mostrou que nove em cada 10 pessoas desconhecem a relação entre álcool e câncer. E apenas uma em cinco sabe que a bebida causa câncer de mama, mas quatro em cada cinco estão cientes da relação dela com o câncer de fígado.

Uma pessoa que bebe e fuma tem mais chances (cerca de sete vezes mais) de ter câncer de fígado, faringe, laringe e boca do que alguém que só bebe, ou só fuma.  

A própria indústria do álcool no Reino Unido, por meio de uma instituição que promove a conscientização sobre o consumo do álcool, reconhece que aqueles que bebem além dos limites estabelecidos como seguros têm maior risco de ter problemas cardíacos, hepáticos, acidentes vasculares cerebrais e pancreatite (inflamação do pâncreas). Naquele país, a dose máxima recomendada é, desde janeiro último, de 14 unidades diárias – o que daria algo como uma garrafa de cerveja por dia –, tanto para homens quanto para mulheres. Quanto maior a dose ingerida, maior o risco de desenvolvimento de um dos cânceres.

 

Sugestões e alertas

Uma das sugestões do artigo de Connor é que as campanhas conscientizem a população de que é importante manter ‘dias sem álcool’ e não estocar bebida em casa. Mais: os recipientes de bebida alcoólica deveriam trazer um alerta sobre a relação entre câncer e álcool, enfatizando que ela existe mesmo para doses baixas e moderadas da bebida.

Os recipientes de bebida alcoólica deveriam trazer um alerta sobre a relação entre câncer e álcool, enfatizando que ela existe mesmo para doses baixas e moderadas da bebida

Coincidentemente, a CH de agosto – disponível para assinantes na próxima semana –traz entrevista com um dos grandes especialistas mundiais em políticas públicas para drogas e álcool, Tim Stockwell, pesquisador que liderou estudo recente no qual ele e colegas mostraram que o dito ‘poder protetor’ do álcool em baixas doses contra doenças cardiovasculares – crença amplamente disseminada, mesmo entre profissionais de saúde – pode ser uma falácia, pois muitos dos experimentos que chegam a essa conclusão consideram ‘abstêmios’ pessoas que pararam de beber – e não aqueles que nunca consumiram álcool.

Por sinal, o artigo de Connor enfraquece a hipótese dessa ‘ação protetora’. Outro alerta de Stockwell: a indústria do álcool tem um lobby fortíssimo para estabelecer políticas públicas e doses ‘seguras’ para a bebida, por conta de suas verbas publicitárias bilionárias (não é exagero). Provavelmente, isso vale para o Brasil, terra em que as propagandas de bebida, além de serem apologéticas ao álcool, são uma ofensa escancarada às mulheres.

 

Três perguntas para Jennie Connor

Em termos gerais, o que é uma dose baixa ou moderada de álcool?
Há muitas definições para esses termos. Frequentemente, eles estão relacionados às diretrizes para o consumo de álcool adotadas em muitos países. Na Nova Zelândia, essas diretrizes estabelecem um máximo de 10 drinques por semana para mulheres (100 g de álcool) e 15 drinques para homens (150 g), evitando-se episódios de ‘consumo pesado’, de mais que quatro drinques. Nos estudos científicos, os pesquisadores definem o que eles entendem por consumo baixo e moderado, e isso pode depender dos dados disponíveis para eles.

No Reino Unido, por exemplo, as novas diretrizes estabeleceram que homens não deveriam beber mais do que 14 unidades por semana (algo como uma garrafa de cerveja por dia). No entanto, aqueles que bebem menos do que isso também estariam correndo o risco de desenvolver aqueles sete tipos de câncer?
Esse é outro exemplo de diretriz nacional – 14 unidades por semana para homens representam 14 vezes 8g (uma unidade); portanto, 112 g por semana. Até onde sabemos com base em toda a pesquisa que tem sido feita sobre o tema, o aumento de risco para o câncer para os que bebem começa em baixas doses de consumo, de modo que, até mesmo para um drinque por dia, haverá um pequeno aumento nesse risco. Isso fica bem claro para o câncer de mama, e não há razão para pensar que seja diferente para outros tipos de câncer.

Dito isso, pessoas que bebem moderadamente têm risco menor de desenvolver câncer quando comparados aos que bebem muito – bebedores moderados não têm o mesmo risco que um bebedor ‘pesado’ de desenvolver um câncer relacionado com o consumo de álcool.

Qual a melhor estratégia para reduzir o risco de câncer?
É diminuir o consumo de álcool, não importa o quanto você está bebendo neste momento. O risco sobe muito com [o aumento da] dose diária, de modo que aqueles que bebem muito não só têm riscos muito mais altos, mas também desfrutariam a maior redução do risco, caso diminuíssem o consumo.

 

Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ