Estaremos sozinhos no universo? Essa pergunta tem intrigado a ciência e alimentado a ficção científica durante muitos anos. Na madrugada de ontem (6/8), a humanidade pode ter dado um passo importante em direção a uma resposta. No procedimento mais complexo de aterrissagem (ou seria amartissagem?) já realizado, a sonda Curiosity, da agência espacial norte-americana (Nasa), chegou com segurança a Marte.
A expectativa em torno da missão é enorme. Acredita-se que ela pode encontrar os primeiros indícios de vida na superfície do planeta vermelho – nada de homenzinhos verdes, mas quem sabe bactérias microscópicas esverdeadas? Entre os planetas conhecidos, Marte é o que tem as configurações geológicas e climáticas mais parecidas com as da Terra. Além disso, há diversos indícios de que o planeta abriga água em seu subsolo, uma condição importante para a existência de vida.
O fato de Marte ter estado, há bilhões de anos, na chamada zona habitável do nosso sistema solar – faixa do espaço com maiores condições de abrigar vida – reforça a possibilidade de se encontrar vestígios de vida no planeta. “Devido à maior atividade solar no passado, essa zona habitável ficava mais afastada do Sol e incluía a órbita de Marte”, explica a geneticista e especialista em astrobiologia Claudia Lage, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Como um superlaboratório móvel, a sonda é capaz de avaliar características da atmosfera de Marte, como umidade e níveis de radiação, e de analisar aspectos geológicos e bioquímicos do ambiente do planeta. “A Curiosity vai trazer uma série de informações novas sobre Marte, em especial relacionadas à possível existência de atividade biológica em solo marciano”, avalia Lage. “Para isso, seus testes incluirão a busca por resquícios de atividade celular, como fragmentos de proteínas e DNA”, afirma a geneticista.
Desconhecido cosmos
Apesar de toda a expectativa depositada em Marte, há outras possibilidades de busca por vida fora da Terra. No próprio sistema solar, há pelo menos mais duas: as luas Titã e Europa, que orbitam os gigantes gasosos Saturno e Júpiter, respectivamente.
Além disso, alguns das centenas de planetas que vêm sendo descobertas desde 1995 fora do nosso sistema solar também podem ser propícios à vida. Apesar da dificuldade de encontrar entre eles planetas pequenos e rochosos como a Terra que estejam na zona habitável de suas estrelas, Lage afirma que existem muito mais exoplanetas a serem descobertos.
“Hoje, estima-se que existam 1023 estrelas e cada vez que o [telescópio espacial] Hubble aponta uma região que se acredita ser ‘escura’, sem estrelas, encontra outra infinidade de novas galáxias”, destaca. “É muita coisa para nos mantermos atrelados à ideia de que a vida é uma exclusividade de nosso planeta.”
Mas como seria a vida lá fora? Para a geneticista, não muito diferente da existente na Terra, do ponto de vista químico. “De forma geral, o hidrogênio e o oxigênio são os elementos mais comuns encontradas no universo e a presença de água é registrada em praticamente todo alvo observado”, pondera. “Como ela possui a propriedade de induzir a organização molecular nos compostos químicos dissolvidos, pode ter auxiliado a criação de sistemas biologicamente organizados em outros planetas.”
Segundo Lage, o carbono, elemento básico da vida na Terra, também é muito comum no universo. “Sua capacidade de realizar ligações químicas com muitos outros elementos faz dele o mais provável candidato para compor estruturas biologicamente complexas, como enzimas e cadeias de DNA”, avalia. “A abundância desses elementos importantes para a criação das bases para a vida como a conhecemos faz do universo um lugar, na verdade, muito amigável ao seu desenvolvimento.”
Bactérias radicais
A análise dos microrganismos existentes na Terra também pode ajudar a entender a vida fora dela. “Muitas bactérias têm propriedades especiais que podem nos fazer repensar como a vida pode ser extremamente simples”, avalia Lage. “Algumas, por exemplo, toleram e se multiplicam em solventes orgânicos, ou seja, sem água; enquanto outras são resistentes ao frio, a ambientes ácidos, vulcânicos e à radiação.”
Essas bactérias são encontradas em regiões extremas da Terra, como o deserto do Atacama, que possui áreas em que não chove há cerca de 150 milhões de anos, utilizadas como modelo para a missão marciana. “Nessas regiões, não há vida na areia diretamente exposta ao Sol, mas, debaixo das pedras, há muitos microrganismos”, explica. “Trata-se de um local muito parecido com o que a Curiosity vai estudar em Marte, o que aumenta a expectativa sobre o que vamos encontrar.”
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line