Terror no consultório dos dentistas, a cárie é uma das doenças dentárias mais frequentes. Seu tratamento convencional, além de potencialmente doloroso, é invasivo, o que motiva o desenvolvimento de métodos alternativos que facilitem a vida dos dentistas e dos pacientes. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) testam agora um aparelho que tem se mostrado mais preciso na remoção de cáries do que o similar já existente no mercado.
Trata-se do laser com pulsos ultracurtos, usado em geral na indústria aeronáutica e automobilística para cortar metais como o titânio. O equipamento poderá fazer uma incisão mais precisa no dente para atingir e remover a cárie sem causar grandes alterações na superfície dentária e colocar em risco tecidos saudáveis.
Atualmente, são utilizados lasers de érbio nesse tipo de procedimento, em substituição aos tradicionais ‘motorzinhos’. Eles emitem pulsos da ordem de microssegundos (cerca de um milhão de vezes mais curtos que um segundo) e aumentam consideravelmente a temperatura da região. Isso torna necessária a refrigeração do dente com água durante a irradiação.
“O calor emitido durante a remoção de cáries pode causar danos aos tecidos adjacentes à área infectada”, explica a coordenadora da pesquisa, a dentista Marina Stella Bello-Silva, do Laboratório Especial de Laser em Odontologia da USP.
Além disso, o uso do laser de érbio pode alterar a superfície do dente. “A energia do laser absorvida pela água do tecido irradiado sofre uma microexplosão, que gera uma cavidade de 400 a 600 micrômetros e pode resultar em uma superfície irregular.”
Menos danos aos dentes
Já os lasers ultracurtos, que emitem pulsos da ordem de pico e femtossegundos (respectivamente, um milhão e um bilhão de vezes mais curtos que os dos equipamentos atualmente disponíveis na odontologia), causam um aumento menor na temperatura dos tecidos, o que torna desnecessária a refrigeração do dente.
“Testamos o aparelho em dentes extraídos e verificamos que o aumento de temperatura nos tecidos dentários não ultrapassa 4 ºC, valor considerado baixo”, conta Bello-Silva, que iniciou a pesquisa durante seu doutorado, realizado na Faculdade de Odontologia da USP e na Universidade de Aachen (Alemanha). Ela ressalta que a temperatura da região fica abaixo dos 5,6 ºC – nível máximo considerado seguro para a polpa do dente (estrutura interna rica em vasos sanguíneos e fibras nervosas).
Segundo a dentista, o equipamento permite também que sejam feitos cortes mais precisos durante a intervenção, porque a interação dos lasers de pico e femtossegundos com a área tratada se dá pela densidade do material. “Como a cárie é menos densa que a dentina e o esmalte (tecidos que compõem o dente), o equipamento atuará preferencialmente nela”, afirma. “Dessa forma, o tamanho da cavidade se restringe aos locais onde houver cárie e não há alteração significativa da superfície do dente”, destaca.
O aparelho ainda não pode ser usado clinicamente, devido ao seu tamanho. “Será necessário desenvolver uma peça de mão que permita a aplicabilidade na cavidade oral, mas isso deve levar alguns anos”, avalia a pesquisadora.
Bello-Silva acredita que o uso de lasers com pulsos ultracurtos pode beneficiar uma série de outros procedimentos odontológicos, como microcirurgias e preparo de locais para implantes. “Além disso, contribuirá para o desenvolvimento de uma odontologia minimamente invasiva”, finaliza.
Ana Paula Monte
Ciência Hoje On-line