A leishmaniose faz parte de um grupo de doenças classificadas como negligenciadas, que ocorrem principalmente em populações de baixa renda de regiões da Ásia, África e América Latina. Para combater esse mal, que hoje atinge em média 4 mil pessoas por ano no Brasil, é importante desenvolver medicamentos mais eficazes, menos tóxicos e com preços acessíveis. Um estudo realizado na Universidade Federal de Goiás (UFG) dá um passo nessa direção, ao identificar compostos com grande potencial contra o parasita causador da leishmaniose.
A leishmaniose é provocada por parasitas do gênero Leishmania, transmitidos ao homem e a cães pelo mosquito-palha. A doença se manifesta basicamente de duas formas: a leishmaniose cutânea, que produz lesões na pele e nas mucosas; e a leishmaniose visceral, que atinge os órgãos internos, como baço e fígado, e pode levar à morte.
A farmacêutica Carolina Horta, responsável pela pesquisa na UFG, destaca a enorme necessidade de se descobrirem novos fármacos contra a leishmaniose. “Os principais medicamentos usados no tratamento da doença foram desenvolvidos na década de 1940, são injetáveis e tóxicos, podendo causar uma série de efeitos colaterais, como problemas cardíacos e no fígado”, diz.
Além disso, segundo Horta, os medicamentos existentes nem sempre são eficazes. “Eles atuam em apenas um alvo do parasita causador, que pode acabar se tornando resistente.” Para driblar esse problema, a pesquisadora adotou uma estratégia inovadora: buscar um fármaco que atue em mais de uma proteína do parasita.
O primeiro passo da pesquisa, que teve início em 2010, foi identificar, a partir de simulações computacionais do organismo da Leishmania, proteínas que pudessem ser alvo dos novos medicamentos. Os resultados apontaram dois nomes: piruvato quinase e esterol desmetilase, consideradas vitais para o parasita.
“A partir daí, utilizamos um banco de dados com mais de um milhão de compostos pertencentes a uma empresa estadunidense para verificar, com base em algoritmos e softwares, quais seriam os melhores candidatos para agir contra essas duas proteínas”, conta Horta. Dez compostos foram selecionados e comprados pela equipe.
Alta potência
Esses compostos foram testados na espécie Leishmania infantum, causadora da pior forma de leishmaniose, a visceral. Os testes, feitos no Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, com a colaboração do pesquisador André Tempone, levaram à seleção de três compostos, que se mostraram três vezes mais potentes que os medicamentos atuais contra o parasita.
Agora a equipe vai realizar ensaios com clones das duas proteínas da Leishmania infantum e com os compostos selecionados para entender como acontece a inibição do parasita. Em seguida, serão feitos testes em animais, que devem levar cerca de dois anos, para avaliar a eficácia dos compostos no combate à leishmaniose. “Depois, são necessários ensaios de segurança, testes de toxicidade e, se os compostos continuarem promissores, partiremos para os testes em seres humanos”, descreve Horta, estimando um período de 10 a 15 anos de pesquisa até a produção de um medicamento.
Por esse estudo, Horta foi uma das vencedoras deste ano do prêmio Para Mulheres na Ciência, promovido pela L’Oréal em parceria com a Unesco e a Academia Brasileira de Ciências. Ela e outras seis pesquisadoras brasileiras de diferentes áreas receberam uma bolsa de 20 mil dólares para investimentos em futuras pesquisas.
Além da busca por fármacos contra a leishmaniose, Horta também atua em estudos para desenvolver medicamentos contra malária, doença de Chagas, esquistossomose, tuberculose e câncer. “Para as primeiras quatro, já temos alguns fortes candidatos a fármacos; já a pesquisa contra o câncer de mama e próstata ainda está bem no início”, comenta.
Isabelle Carvalho
Ciência Hoje On-line