Alzheimer: um novo tipo de diabetes?

 

 As cerca de 25 milhões de pessoas no mundo que sofrem do mal de Alzheimer podem ter boas surpresas nos próximos anos. Avanços na compreensão dos mecanismos dessa doença, que causa a degeneração progressiva da memória e da capacidade cognitiva, podem levar ao desenvolvimento de novos remédios e formas de diagnóstico.

O neurocientista William Klein, da Universidade Northwestern (Estados Unidos), tem importância mundial na pesquisa da doença de Alzheimer. Ele desenvolve estudos que apontam o surgimento de resistência à insulina nos neurônios de pacientes com mal de Alzheimer, o que tem levado muitos pesquisadores a associarem a doença a uma nova forma de diabetes, que afetaria especificamente o cérebro.

Klein esteve no Brasil em julho para um seminário de biomedicina e, em entrevista à CH On-line, falou sobre essas descobertas recentes e as perspectivas em relação a tratamentos e – por que não – à cura da doença de Alzheimer.

O que se sabia até hoje sobre os mecanismos biológicos envolvidos na doença de Alzheimer?
A causa da doença de Alzheimer era associada à morte de neurônios provocada por placas formadas por longas moléculas fibrilares com formato de macarrão. Mas havia alguns neuropatologistas que consideravam essa ideia impossível, pois há pessoas que têm várias placas no cérebro e não sofrem de Alzheimer. Outras explicações precisavam ser encontradas.

E como essas outras explicações surgiram?
Em meados dos anos 1990, a maioria das pessoas achava que as placas beta-amiloides eram as culpadas pelo Alzheimer. Meus colegas e eu, e também vários outros laboratórios, achávamos que a proteína beta-amiloide era importante, mas não por causa das placas. Pensávamos que talvez houvesse um tipo diferente de moléculas tóxicas. Um biólogo molecular da Universidade da Carolina do Sul encontrou uma pista: ele descobriu que era possível, em um experimento, fazer com que a proteína beta-amiloide não formasse fibras. Ele pensava que isso fosse fazer que com ela deixasse de ser tóxica. Mas aconteceu justamente o contrário: ele encontrou algo ainda mais tóxico. Naquela época, eu e outro colega começamos a colaborar com ele. Nós três juntos investigamos o que causava a toxicidade e descobrimos que eram os oligômeros, fragmentos proteicos que irão formar as fibras de beta-amiloide.

Como surgiu a relação entre o mal de Alzheimer e o diabetes?
Descobrimos que os oligômeros causavam a perda da sinalização da insulina no cérebro. Há uma luta pela sobrevivência, uma batalha entre a insulina e os oligômeros. A insulina causa o desaparecimento das ligações entre os oligômeros, protegendo as sinapses dessas substâncias tóxicas. Antes, achava-se que a insulina não tinha qualquer relação com o cérebro, mas, nos últimos dez anos, temos percebido que a sinalização de insulina é importante, inclusive para o aprendizado e a memória. 

Montagem gerada por computador de seis moléculas de insulina, hormônio que tem participação fundamental no mecanismo biológico envolvido no surgimento da doença de Alzheimer (imagem: Isaac Yonemoto/ Wikimedia Commons).

Além de causar resistência à insulina nos neurônios, quais os outros efeitos dos oligômeros?
Os oligômeros têm muitos efeitos que causam a demência. Tudo começa quando eles se ligam a receptores nas sinapses, como se fossem um hormônio. Como as sinapses estão envolvidas na formação de memória, quando os oligômeros se ligam a elas, causam mudanças bioquímicas, que se traduzem em perda de função mnemônica. Há outras substâncias que também parecem impedir a ligação dos oligômeros às sinapses cerebrais, como o hormônio BDNF. Aparentemente, há uma luta dos oligômeros com o BDNF, assim como com a insulina. Mas, até agora, acredito que a insulina seja a melhor hipótese na qual podemos nos basear.

Você acredita que os remédios que usamos hoje para tratar diabetes podem ser usados contra o mal de Alzheimer?
Há um teste clínico acontecendo atualmente, patrocinado por uma grande empresa farmacêutica. Eles têm um remédio para diabetes que está sendo tesado em pacientes com Alzheimer e que já está mostrando resultados. Mas acredito que eles também devam adicionar uma substância para eliminar os oligômeros, para tornar o tratamento realmente eficiente. Ou seja, eliminar a toxina enquanto se tenta construir resistência a ela.

Há algum remédio em estudo para eliminar os oligômeros?
Há empresas farmacêuticas que estão desenvolvendo anticorpos que se ligam especificamente aos oligômeros e que inclusive já se mostraram eficientes em modelos animais da doença de Alzheimer. Anticorpos fornecidos por nosso laboratório estão sendo desenvolvidos por uma dessas empresas para serem usados em testes clínicos com pacientes, o que deve acontecer no ano que vem. Realmente podemos ter expectativas em relação a remédios para acabar com os oligômeros tóxicos.

Essas descobertas podem influenciar o diagnóstico do mal de Alzheimer?
Hoje em dia, o diagnóstico é obtido por meio de entrevistas. Um neurologista faz ao paciente certo número de perguntas e decide se ele está ou não com Alzheimer. Mas é importante ter um marcador químico para a doença, tanto para o diagnóstico quanto para testar se uma nova droga experimental tem efeito positivo. Há uma possibilidade de que traços dos oligômeros sejam encontrados no líquido espinhal. Isso poderia ser uma forma de diagnóstico, exceto pelo fato de que a maioria das pessoas não quer ter sua coluna espetada. Melhor seria se houvesse testes sanguíneos, o que pode ser possível com o desenvolvimento do nosso trabalho. Outra possibilidade é conseguir um exame que detecte oligômeros ligados a sinapses no cérebro, e então verificar a quantidade de oligômeros por meio de ressonância magnética cerebral.

Você acha que um tipo de cura é possível?
É exatamente o que estamos tentando fazer agora. Antigamente, o objetivo era apenas tratar os sintomas. Hoje, uma cura pode ser possível, pois conhecemos os mecanismos da doença e devemos estar aptos a desenvolver remédios que modifiquem esses mecanismos e de fato impeçam o paciente de piorar e, até mesmo, o façam melhorar. 

Isabela Fraga
Ciência Hoje On-line
27/07/2009