Aquecimento global, um predador?

O sapo-dourado-do-Panamá ( Atelopus zeteki ) é uma das 427 espécies de anfíbios em risco iminente de extinção, segundo a União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN). Os autores do estudo acreditam que animais de outros grupos devem enfrentar o mesmo problema nos próximos anos (foto: Forrest Brem).

Pela primeira vez, dados concretos associam o aquecimento global à extinção de diversas espécies de anfíbios. Pesquisadores encontraram uma forte correlação entre o aumento da temperatura do ar e da superfície dos oceanos e a proliferação de um predador acusado de exterminar dois terços das espécies de sapos do gênero Atelopus , que ocorrem nas Américas Central e do Sul. Publicados na revista Nature de hoje, os resultados já estão gerando controvérsia entre especialistas no mundo inteiro.
 
Segundo os autores da pesquisa, coordenada por J. Alan Pounds, da Reserva de Floresta Tropical de Altitude de Monteverde, na Costa Rica, o aumento da temperatura global cria condições ideais para a reprodução do fungo patogênico quitrídeo ( Batrachochytrium dendrobatidis ). O calor acelera a formação de nuvens nos trópicos, o que diminui as temperaturas diurnas e aumenta as noturnas.
 
No entanto, outros fatores podem estar por trás das extinções. “O fungo pode ser uma das causas do extermínio dos sapos, mas ele atua em conjunto com outros agentes, como vírus e bactérias”, acredita o herpetólogo Luís Felipe de Toledo, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). “De qualquer forma, o calor deixa os anfíbios mais vulneráveis.“
 
Apesar de alguns especialistas estrangeiros terem apontado a costa brasileira como um dos locais de maior ameaça para os sapos, há poucos registros da presença do fungo no país. Segundo Toledo, apenas dez casos de ataques de quitrídeos foram registrados. “Porém, as pesquisas de campo ainda estão começando no Brasil e se sabe muito pouco sobre o fungo”, pondera o herpetólogo. “É provável que surjam novos casos de infecção.”
 

De 1975 a 2000, a temperatura do ar dos trópicos aumentou 0,18ºC por década. Isso corresponde a um número três vezes superior a média de aquecimento do século 20. O aumento da temperatura fragiliza anfíbios como o Atelopus varius (foto: Robert Puschendorf).

Os sapos contaminados foram encontrados apenas no norte do estado de São Paulo e no sul de Minas Gerais, mas ainda não foram feitas buscas em locais como o cerrado brasileiro. “Se forem encontrados casos lá e na mata atlântica, o fungo terá dominado quase todo território brasileiro”, diz o pesquisador. De acordo com ele, foram registrados casos apenas com anfíbios, como sapos e salamandras. “Aparentemente o quitrídeo não contamina seres-humanos.”

 

O fungo ataca tanto sapos adultos, como girinos. Nesta fase inicial da vida do animal, o quitrídeo se fixa na cobertura de queratina dos dentes do animal. A convivência neste período é tranqüila. Porém, quando chega à fase adulta, o ataque se torna letal: o fungo investe na pele dos sapos, que, por se tratar de um de um órgão extremamente fino e importante para a respiração, é muito frágil. Segundo especialistas, qualquer interferência pode causar a morte do animal.

Júlio Molica
Ciência Hoje On-line
12/01/2006