Aqüífero Guarani sob risco de contaminação

A maior reserva subterrânea de água doce e potável do mundo está ameaçada. O aqüífero Guarani, que se estende por 1,8 milhão de km 2 na porção meridional da América do Sul, pode apresentar altos índices de poluentes decorrentes da prática da agricultura e pecuária. O risco de contaminação, apontado por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é preocupante, mas ainda não compromete para o uso do homem os quase 50 quatrilhões de litros de água do aqüífero.

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O aqüífero Guarani cobre quase toda a região Sul do Brasil e se estende por parte das regiões Centro-oeste e Sudeste, além de Argentina, Paraguai e Uruguai

O aqüífero Guarani talvez seja o único que apresenta água a até 2 mil metros de profundidade com baixas taxas de salinidade, próprias para o consumo humano. A contaminação pode afetá-lo de forma indireta: o risco vem da poluição do aqüífero Serra Geral, que recobre o Guarani e apresenta espessuras que vão de 500 a 1500 metros. O Serra Geral tem 1,2 milhão de km 2 e abrange o oeste dos três estados do Sul e de São Paulo, além de partes de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul.

O quadro foi descrito na dissertação de mestrado recém-defendida por Cícero Almeida no Departamento de Geografia da UFSC. De acordo com o estudo, o nível da água do aqüífero Serra Geral teria aumentado após o enchimento dos reservatórios das usinas hidrelétricas de Itá e Machadinho, em Santa Catarina.

O aumento de nível teria tornado esse aqüífero mais vulnerável às infiltrações de agrotóxicos e dejetos animais presentes nos rios da região e nas próprias barragens. A poluição é decorrente sobretudo da prática da suinocultura concentrada e da agricultura extensiva, sobretudo de soja e milho.

A água se acumula nos poros da rocha arenítica do aqüífero Guarani ou nas inúmeras fissuras das rochas vulcânicas do Serra Geral. Um grande número de falhas e fraturas profundas corta esses dois sistemas. Isso os coloca em contato e potencializa o risco de que substâncias nocivas ao homem e ao meio ambiente passem de um para o outro.

A contaminação foi verificada a partir da análise de amostras retiradas de poços profundos no aqüífero Serra Geral, onde se constatou a presença de fosfatos e nitratos, relacionados à suinocultura (substâncias presentes nas fezes e urina dos porcos) e ao uso de adubos nas lavouras.

Luiz Fernando Scheibe, professor do departamento de geociências da UFSC e orientador do trabalho, afirma que “a contaminação ainda não atingiu um nível que impeça o consumo, de acordo com as normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que regula os percentuais de poluição dos rios. No entanto, a pesquisa funciona como sinal de alerta”.

Scheibe também destaca que a prática da suinocultura concentrada — único meio atual de tornar a produção lucrativa — cria um volume de dejetos imenso. “Cada criador na região tem até mil suínos, que produzem de oito a dez vezes mais excrementos que humanos”, diz. Os dejetos acumulam-se nos rios, poluem a barragem e chegam aos aqüíferos.

Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
17/03/04