Arma contra as infecções graves

Principal causa de morte nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), a sepse, ou infecção grave, atinge cerca de 18 milhões de pessoas por ano no mundo todo. Só no Brasil, o número de casos pode chegar a 350 mil, sendo que 60% das pessoas não sobrevivem.

Uma arma em potencial contra essa doença está sendo desenvolvida no Instituto Gulbenkian de Ciência, em Portugal. Os resultados obtidos até agora foram apresentados em estudo que mereceu a capa da Science Translational Medicine nesta semana.

Entre os autores estão os brasileiros Fernando Bozza e André Miguel Japiassu, médicos da Fundação Oswaldo Cruz, além do professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Moises Marinho Cavalcante.

“O corpo reage à ação da bactéria usando células de defesa excessivamente ativadas que acabam prejudicando seu próprio tecido”

Quando um paciente é internado e seu quadro se agrava por conta de uma infecção, é comum imaginar que o problema foi causado por uma bactéria que se espalhou vertiginosamente, causando inflamação e, em casos extremos, falência múltipla dos órgãos.

Fernando explica, no entanto, que o processo é diferente: “Na verdade, o corpo reage à ação da bactéria usando células de defesa excessivamente ativadas que acabam prejudicando seu próprio tecido. É essa lesão nas células dos tecidos que causa a falência dos órgãos”, diz.

Isso quer dizer que a bactéria não se espalhou, mas a reposta imune do hospedeiro foi exagerada e acabou por prejudicá-lo.

Ciclo vicioso

Capa Science
A pesquisa foi capa da ‘Science Translational Medicine’ desta semana, que ilustra o miocárdio de um camundongo. “Durante a sepse, hemácias deterioradas deixam vazar o ‘heme’, que é tóxico para diversos órgãos, inclusive o coração, causando necrose do miocárdio”, explica (imagem: reprodução).

Os pesquisadores descobriram que essa resposta é amplificada pela presença de um complexo de ferro conhecido como ‘heme’, que circula no sangue dentro das hemácias, na forma de hemoglobina, mas que pode ser liberado para a circulação durante as infecções.

“Esse complexo tem uma função vital para o corpo, que é o transporte de oxigênio. O problema é que, durante a sepse, ele circula livremente na corrente sanguínea, sem as proteínas que deveriam estar ligadas a ele para controlar sua ação oxidante, letal para as células”, afirma o pesquisador.

A proteína em questão é a hemopexina, presente no plasma. Ao examinar amostras de 58 pacientes com sepse, os pesquisadores notaram que o processo se dá como um ciclo vicioso.

Primeiro, acontece a inflamação, que se torna mais intensa. Então, o corpo reage, aumentando o heme livre na circulação. Isso que agrava a lesão do tecido celular e aumenta o consumo de hemopexina, justamente o elemento que poderia neutralizar a sua ação. 

A queda da proteína e a lesão tecidual grave, em muitos casos, levam à morte por falência múltipla dos órgãos. “Por isso, encontramos baixos níveis de hemopexina e altos níveis de heme livre nos pacientes que não sobrevivem”, diz o pesquisador.

“Encontramos baixos níveis de hemopexina e altos níveis de heme livre nos pacientes que não sobrevivem”

Nos testes realizados com camundongos, a sobrevida das cobaias que receberam a proteína aumentou de 20% para 80% na resposta às infecções.

“O estudo já permite monitorar o quadro dos pacientes, medindo a quantidade de heme livre e de hemopexina na corrente sanguínea. No futuro, deve ajudar no desenvolvimento de medicamentos”, afirma.

Ao desvendar este mecanismo, os pesquisadores deram um passo em direção à cura da sepse: “Descobrimos que a hemopexina tem uma função protetora. Talvez ela não seja a única proteína eficiente contra a doença, mas já é uma estratégia”, comemora Bozza.

Bruna Ventura
Ciência Hoje On-line