Arma letal

Médicos e biólogos de várias instituições de pesquisa do mundo comemoram o resultado dos testes da vacina contra os tipos 6, 11, 16 e 18 do papiloma vírus humano (HPV), detectado em 10% a 20% da população sexualmente ativa entre 15 e 50 anos. No Brasil os trabalhos foram realizados em vários laboratórios, entre eles o do Centro de Estudos e Pesquisas Médicas (Cepeme), de Curitiba, coordenado pelo ginecologista Rosires Pereira de Andrade.

A vacina, que já é comercializada no Brasil, combate o câncer de colo do útero causado pelos tipos 6, 11, 16 e 18 do vírus HPV. Imagem extraída de www.pimsmultimedia.com/gardasil.

“Temos em mãos uma poderosa arma contra a maioria dos cânceres de colo do útero relacionados com os vírus HPV 16 e 18 e contra as verrugas genitais causadas pelos tipos 6 e 11 do vírus”, disse Andrade, co-autor de um artigo que relata essa investigação na prestigiosa revista inglesa The Lancet Oncology .

A primeira fase da pesquisa em seres humanos, iniciada no final da década de 1990, envolveu apenas os Estados Unidos; a segunda começou em 2000, com a participação do Brasil, Estados Unidos e alguns países da Europa; a terceira etapa teve início em 2002, com a participação de mais de 30 países. A eficácia da vacina continua sendo avaliada, mas em 2006 os resultados já foram suficientes para que agências reguladoras de vários países, inclusive o Brasil, a aprovassem e autorizassem sua comercialização. Em humanos, já foram descritos mais de cem tipos de HPV, dos quais cerca de 30 infectam a mucosa genital.

“Por envolver nova droga contra uma doença que ainda não contava com medicamento de eficiência comprovada, o estudo comparou os resultado dos testes feitos com dois grupos de voluntários: um que havia recebido a vacina ativa e o outro, apenas placebo”, conta Andrade. Durante seis anos o Cepeme testou a vacina – produzida pelo laboratório americano Merck Sharp & Dohme – em mais de 500 mulheres adultas e em adolescentes dos dois sexos na região metropolitana de Curitiba.

Em todo o mundo, foram selecionados cerca de 30 mil voluntários, 2 mil deles brasileiros. Além do Cepeme, também participaram da investigação o Instituto Brasileiro de Combate ao Câncer, de São Paulo, e instituições da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) ligadas à saúde da mulher (Ver ‘Anti-HPV: a hora do ajuste’, em Ciência Hoje , nº. 193 , p.47).

Ameaças do HPV
A vacina foi desenvolvida com o objetivo principal de proteger as mulheres contra o câncer de colo do útero, mas combate também as verrugas genitais que acometem tanto homens quanto mulheres. “A infecção pelo HPV está ligada também ao desenvolvimento de formas menos comuns de câncer, como o anal, vulvar, vaginal e de pênis”, lembra o ginecologista. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o câncer de colo uterino é o terceiro mais freqüente entre as mulheres no Brasil, perdendo apenas para os cânceres de mama e de pele (exceto o melanoma).

A vacina foi produzida em um sistema heterogêneo, misturando-se os vírus HPV 6, 11, 16 e 18 e a levedura Saccharomyces cerevisae , o popular lêvedo de cerveja. Dessa associação surge a chamada ‘partícula similar ao vírus’ (PSV), que em seguida é agregada a uma substância adjuvante de alumínio para produzir anticorpos.

Células da vagina contaminadas pelo papilomavírus humano (HPV). O vírus normalmente se aloja em tecido epitelial mucoso. Imagem extraída de www.dac.uem.br/lancamento_edrm.htm.

Segundo Andrade, o produto oferece 99% de chance de proteção contra as lesões ocasionadas pelos vírus HPV 6 e 11 e tem 100% de eficácia contra as lesões de alto grau de colo do útero, ocasionadas pelos tipos 16 e 18. Essas lesões são precursoras obrigatórias do câncer nessa região do corpo da mulher. A pesquisa revelou que a taxa de anticorpos produzida pela vacinação é 100 vezes maior que a produzida naturalmente pelo organismo em casos de infecção pelo HPV.

Ministrada por via intramuscular em três doses de 0,5 ml, a vacina é indicada para meninas e mulheres na faixa dos 9 aos 26 anos. “Mas nada impede que meninos e homens dessa faixa etária e mulheres e homens mais velhos possam ser imunizados”, lembra o ginecologista. Os estudos prosseguem agora com pessoas com mais de 30 anos.

Pronta para comercialização
A vacina foi aprovada para comercialização nos Estados Unidos em junho de 2006. No Brasil, o Ministério da Saúde autorizou sua venda em agosto daquele ano, mas apenas em clínicas especializadas, com o acompanhamento de profissionais capacitados para administrar o medicamento.

Após receber a primeira dose da vacina, o paciente deve tomar a segunda dois meses mais tarde obrigatoriamente; a terceira dose deve ser administrada seis meses após a inoculação da primeira. “Entre os efeitos colaterais, estão vermelhidão, inchaço e dor no local da aplicação, podendo ocorrer também febre”, explica Andrade.

A dose da vacina custa atualmente cerca de R$ 440,00. Por ora, esse custo inviabiliza a distribuição ampla da vacina para a população. Os estudos em curso mostram que os níveis de anticorpo circulante naqueles que receberam as três doses da vacina continuam elevados durante até seis anos, mas os pesquisadores acreditam que ela proteja por um período ainda maior.

Na opinião de Andrade, o papilomavírus humano é um sério problema de saúde pública, já que 70% da população mundial sexualmente ativa deverão ser infectados por ele ao longo de sua vida. O pesquisador destaca que o HPV é “muito democrático”, tendo sido identificado em povos de todos os continentes do globo.

Pedro Júnior da Silva
Especial para a CH On-line / PR
02/08/2007