Arqueologia de uma paixão nacional

 

Que o Brasil é o país do futebol e a cerveja uma paixão nacional ninguém tem dúvida. Mas da origem dessa bebida amarga e gasosa pouco se tem notícia. Consta nos documentos históricos ter sido Charles Miller o divulgador pioneiro do esporte mais popular entre nós. Mas a quem se poderia atribuir a introdução do composto de cevada em território brasileiro?

null Os colonizadores portugueses não nutriam apreço pela cerveja e tampouco as tribos indígenas a conheciam. Mas desde o século 17 ela esteve presente em nosso país. É o que conta o médico e enólogo Sergio de Paula Santos no livro Os primórdios da cerveja no Brasil — breve estudo publicado em formato de bolso (10×15 cm) que pretende abarcar a ‘verdadeira história’ da bebida no país.

Segundo Santos, foram os holandeses, por meio da Companhia das Índias, os primeiros a desembarcar barris de cerveja em nosso território. Seguidos pelos britânicos — que no início do século 19 eram os maiores produtores mundiais da bebida e exerciam forte influência econômica e cultural sobre a corte portuguesa –, seriam eles os ‘pais’ da cerveja no Brasil.

Santos situa nas primeiras décadas do século 19 a instalação da primeira cervejaria no país e registra a falta de documentos com informações mais precisas. Pequenas colônias oriundas da Alemanha e Inglaterra dominavam os processos de produção e grandes quantidades da bebida eram importadas desses países.

No ‘esporte bretão’, o Brasil se tornou formador e exportador de grandes craques, ao contrário do que se observa em relação à cerveja. Apesar das raízes fincadas em nossa cultura, ela sempre foi produzida com menor qualidade por nossos fabricantes, segundo o livro. Sem uma ‘lei de pureza’ que garantisse fidelidade aos métodos originais de produção, nossas fábricas alcançaram destaque na quantidade produzida, sem que no entanto gozassem de prestígio entre os degustadores.

Com 8,41 bilhões de litros anuais, o Brasil é hoje o terceiro produtor mundial de cerveja, atrás de Estados Unidos (23,6 bilhões de litros/ano), China (18 bilhões) e Alemanha (11,7 bilhões). Suas maiores companhias, Antarctica e Brahma, foram fundadas no final do século 19 e, detentoras de mais de 70% da produção nacional, têm sua história relatada no livro.

O autor reconstitui em grandes linhas a trajetória das duas empresas e, com ironia, busca expor fatos obscuros que marcam sua história. A formação do “primeiro cartel da cerveja” no Brasil, no início do século 20, e o fechamento do contrato da Ambev (nascida da fusão das duas companhias) com a Confederação Brasileira de Futebol são exemplos de fatos excluídos da historiografia oficial que o livro pretende examinar.

Embora o autor se proponha contar a ‘história não-autorizada’ da cerveja no país, a apresentação de dados econômicos e citações historiográficas se sobrepõe a análises mais ousadas sobre esse tema original e ainda pouco explorado. Os primórdios da cerveja no Brasil deve fazer mais sucesso entre historiadores do que entre boêmios.

 

Os primórdios da cerveja no Brasil
Sergio de Paula Santos
São Paulo, 2003, Ateliê Editorial
51 páginas – R$ 15

Julio Lobato
Ciência Hoje on-line
01/09/03