As táticas da molécula assassina

A morte celular programada, chamada tecnicamente apoptose, é um fenômeno fisiológico essencial para a manutenção da vida. Um estudo publicado na edição de janeiro da Molecular Cell descreve como a molécula ARTS controla esse processo e atua na modulação de tumores.

ARTS é uma proteína mitocondrial que, ao se ligar a outra molécula, desencadeia o processo de apoptose

ARTS é uma proteína mitocondrial que, ao se ligar a outra molécula, chamada XIAP, desencadeia o processo de apoptose. Embora a interação entre essas duas moléculas já fosse conhecida, ainda não se sabia ao certo como ela se dava.

“Identificar esse mecanismo e seu possível apelo farmacológico é o que despertou interesse nesse trabalho”, afirma o bioquímico brasileiro Ricardo Corrêa, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Médica Sanford-Burnham e um dos autores do artigo.

A molécula XIAP é responsável por controlar as caspases, enzimas ativadoras do processo de morte celular. Para permitir que a apoptose ocorra, a molécula ARTS ‘sequestra’ a proteína XIAP e inibe sua ação anti-apoptótica.

Os pesquisadores observaram que, para realizar essa dupla ação, a ARTS conta com a ajuda de uma terceira proteína, a Siah-1. Com características pró-apoptóticas, ela é capaz de diminuir os níveis de XIAP no organismo.

Desequilíbrio molecular

A descrição dessa operação pode ajudar a entender o desenvolvimento de tumores, visto que uma de suas principais características é justamente ser resistente à morte celular. Isso significa, na prática, o progresso da doença.

A descrição dessa operação pode ajudar a entender o desenvolvimento de tumores

Segundo Corrêa, as razões estariam nas altas quantidades de moléculas XIAP ativas no organismo, além da expressiva redução das taxas de ARTS.

“Os números apontam uma redução impressionante de proteínas ARTS nos diferentes tipos de cânceres conhecidos”, conta o pesquisador. “Em casos de leucemia linfoblástica infantil, a expressão dessa proteína é perdida em mais de 70%”, acrescenta.

Medula espinhal com leucemia linfoblástica
Células da medula espinhal de um paciente com leucemia linfoblástica. Diversos tipos de câncer estão associados à redução expressiva da molécula ARTS, que controla o processo de morte celular e atua na modulação de tumores. (foto: Wikimedia Commons/ VashiDonsk – CC BY SA NC 3.0)

Os motivos para essa redução expressiva, porém, ainda são uma incógnita para os pesquisadores. “É algo que ainda precisa ser estudado”, afirma Corrêa. “Precisamos descobrir, por exemplo, quais proteínas são responsáveis pela liberação de ARTS no organismo”. 

Duplo interesse

Enquanto a redução de moléculas ARTS está associada a casos de leucemia e outros cânceres, a expressão excessiva da proteína desencadeia um processo descontrolado de apoptoses que pode levar a doenças como o mal de Parkinson, o Alzheimer e a esclerose múltipla.

Entender melhor o processo de morte celular pode ajudar na busca de tratamentos para o câncer e doenças degenerativas

Entender melhor o processo de morte celular e os mecanismos das proteínas nele envolvidas é, portanto, duplamente importante, podendo ajudar na busca de tratamentos tanto para o câncer quanto para doenças degenerativas.

“Esclarecer as relações das proteínas responsáveis pelo processo de apoptose é fundamental para que, no futuro, possamos desenvolver terapias e fármacos que tenham como base funções análogas às da molécula ARTS”, conclui Corrêa.

Ana Paula Monte
Ciência Hoje On-line