Os primeiros trabalhos no campo da paleoparasitologia surgiram na década de 1910, com o estudo de múmias egípcias. Depois foram estudadas fossas medievais e coprólitos encontrados nos EUA e na região dos Andes. Mas foi no Brasil, a partir de 1978, que a paleoparasitologia se estruturou como ciência e se organizou metodologicamente. E foi um brasileiro, Luiz Fernando Ferreira, pesquisador da Fiocruz, quem batizou a nova ciência.
Ovo de Diphyllobothrium pacificum , parasita transmitido pelo consumo de carne de peixe cru contaminada (fotos: Memorias do Instituto Oswaldo Cruz )
“Nos EUA os pesquisadores tinham formação em arqueologia, por isso seu enfoque era mais antropológico, cultural”, explica Adauto Araújo, pesquisador da Fiocruz. “No Brasil, nossa formação era médica e o enfoque mais biológico e parasitológico. Quando começamos a trabalhar juntos, os dois aspectos se casaram”, conta. Hoje o interesse está tanto na evolução da relação entre parasita e hospedeiro como nos aspectos culturais que determinaram essa evolução.
Após a invasão inca, as áreas residenciais no vale, que não eram maiores que 4 hectares (ha), aumentaram para uma média de 11 ha. O crescimento da densidade populacional causou um sensível aumento na infecção por vermes que já existiam na região. Devido ao maior contato entre pessoas, o oxiúro ( Enterobius vermicularis ), verme transmitido pelo contato pessoal ou pelo ar, se alastrou. A infecção pelo nematóide Trichuris trichiura , transmitido pela contaminação fecal de mãos, comida, água ou utensílios, também aumentou, em razão do colapso no saneamento.
Integrar o império inca também teve impacto nos hábitos alimentares dos nativos do vale do Lluta. Antes, as bases da alimentação eram o milho e a mandioca, culturas tradicionais da região. Ao adotar o hábito inca de comer peixe, os nativos adquiriram também um verme antes inexistente no local: o cestóide Diphyllobotrium pacificum , contraído pela ingestão de pescado mal cozido.
Foram encontrados grãos de polén em coprólitos com mais de 2400 anos
O chá da casca de miroro, uma das espécies encontradas, é um vermífugo e também é eficaz como diurético e depurativo. Outras plantas identificadas são usadas contra os sintomas causados por parasitas — o pau-ferro e o maçarico contra disenteria e a cabeça-de-velho para facilitar a digestão.
Outras plantas usadas até hoje como remédios populares (para combater outras doenças que não as parasitoses) foram encontradas nos coprólitos: malva-benta (usada em machucados), angico (contra tuberculose e infecção respiratória), embaúba (analgésico), marmeleiro (para reumatismo, dor de cabeça e bronquite) e cipó-de-alho (usada contra dor de garganta e diabetes).
Embora não seja possível precisar as doses dos fitoterápicos ingeridas por nossos ancestrais nem se as plantas eram consumidas com fins medicinais, a pesquisa aponta para a existência de uma farmacopéia pré-histórica no Brasil.
Adriana Melo
Ciência Hoje on-line
09/06/03