As veias abertas da Amazônia

Como se não bastassem as extensas áreas de desmatamento da Amazônia e seus recentes escândalos, uma rede de vias ilícitas vem crescendo na região. Em um levantamento inédito e ainda não concluído, pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) detectaram mais de 95 mil quilômetros de estradas clandestinas, em uma área que vai do sudeste do Acre ao centro-oeste e sul do Pará.

Segundo Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon, esses caminhos atendem principalmente à demanda de madeireiros, pecuaristas e grileiros. Em geral, as trilhas são abertas para a exploração de recursos naturais em terras públicas, sem qualquer planejamento ou conexão com a malha viária oficial. Assim, representam o primeiro passo para uma destruição ainda maior da floresta.
 
Para identificar e mapear as vias ilegais, o Instituto utiliza um satélite chamado Landsat, que produz mapas em uma escala de 1 para 50 mil. Isso significa que cada unidade da figura representa 50 mil na realidade. Esses dados são cinco vezes mais detalhados do que os fornecidos pelo sensor que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) usa para medir o desmatamento oficial da Amazônia.
 
As imagens são então analisadas em bandas e interpretadas de forma específica. Nessas representações, os longos segmentos de terra batida aparecem mais brilhantes, contrastando, sobretudo, com florestas densas e pastos. Assim, o reconhecimento das estradas não-oficiais é menos evidente em áreas de menor densidade florestal, como os arredores de rodovias oficiais, onde elas também são construídas. 
 

Os trechos em vermelho no mapa representam a rede de estradas não oficiais  identificadas em parte da Amazônia no levantamento realizado pelo Imazon 

Essa metodologia de mapeamento é aplicada pelo Imazon desde 2003, mas o trabalho dos pesquisadores foi iniciado muito antes disso. Em 1985, eles começaram a monitorar o centro-oeste do Pará. Em 2001, apenas nessa região, as estradas ilegais somavam cerca de 20 mil km. Desde então, a rede tem crescido de forma avassaladora. Até 2003, havia sido analisado um território de 1,3 milhão de km 2 – o equivalente a somente 28% da Amazônia legal – e a trama não-oficial detectada já tinha avançado em torno de 95.355 km. Esse valor é quase dez vezes maior do que a quilometragem de todas as rodovias federais e estaduais da região juntas. Só no Pará, são mais de 60 mil km de vias não-oficiais.

 

O objetivo do Imazon é fornecer as informações de seu trabalho ao Ministério do Meio Ambiente e ao Ibama para que sejam criadas unidades de conservação e zoneamento fundiário. Ainda assim, para que o trabalho em prol da preservação tenha continuidade, uma fiscalização idônea é crucial: “É importantíssimo criar áreas de conservação, mas elas não significam a imunidade ao desmatamento. Precisam ser complementadas por outras medidas”, alerta Veríssimo. A fim de conter o surgimento de novas estradas não-oficiais, o programa pretende mapear toda a Amazônia até o final de 2005.

Lia Brum
Ciência Hoje On-line
09/06/05