A geração de energia elétrica por usinas nucleares pode ser uma fonte complementar importante para o Brasil, sem ônus de poluição nem devastação de áreas ambientais. A grande preocupação, porém, é sempre com o rejeito radioativo gerado, e que precisa ficar seguramente armazenado por muitos anos até que a radiação decaia a níveis aceitáveis – o que, dependendo do elemento, pode levar centenas de anos.
Uma pesquisa nacional oferece uma alternativa para tornar esse processo mais econômico e independente de materiais importados. Em seu trabalho de doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a engenheira química Marcia Flavia Righi Guzella mostrou que betume nacional pode ser usado para imobilizar rejeitos radioativos.
O método consiste em misturar os materiais para gerar um bloco sólido e quimicamente estável – ou seja, onde não ocorrem reações químicas, a radiação fica ‘protegida’ e a difusão dos rejeitos na água (lixiviação) está dentro dos limites estabelecidos.
Pesquisadora da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp e do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN), em Belo Horizonte, Guzella chegou a dois tipos de betume brasileiros que podem ser usados para armazenar os rejeitos.
A solução já está sendo usada em Angra 2: a usina adota tecnologia alemã e estaria importando betume com as especificações do país se não fosse pela alternativa nacional.
Maior incorporação, menor volume
O betume é uma mistura sólida formada por compostos químicos (hidrocarbonetos) que podem tanto ocorrer na natureza como ser obtidos da destilação do petróleo. A matriz utilizada por Guzella apresentou um bom índice de incorporação do material radioativo.
“O resultado indicou uma incorporação de até 40% de massa de rejeitos, o que gera uma economia muito grande tanto em embalagens para o armazenamento quanto em espaço físico no futuro depósito”, afirma a pesquisadora.
Ela compara, por exemplo, ao uso de cimento para armazenar rejeitos. Neste caso, a proporção é de cerca de 20% de rejeitos para 80% de cimento, ou seja, o volume final obtido é maior. “Com o betume, produzo um volume final de rejeito radioativo tratado bem menor, o que significa menos tambores e menos espaço no depósito final”, explica.
Pesquisas com betume
O rejeito é gerado por desde a mineração do urânio até o reprocessamento de combustível nuclear irradiado. Grande parte permanece radioativo por milhares de anos. No mundo todo, estima-se que dez mil toneladas de resíduos radioativos sejam geradas por ano.
Segundo Guzella, a ideia de utilizar o betume para incorporar o rejeito surgiu primeiro na França, e estudos a respeito foram feitos na Bélgica e na Alemanha. Esses países chegaram a uma composição para o uso do betume na incorporação de rejeitos nucleares. “O Brasil não produz o betume com essa especificação, e o meu trabalho foi justamente o de pesquisar um betume nacional para o processo”, explica ela.
A engenheira química testou vários tipos de betume e chegou a uma fórmula para viabilizar o processo. O sistema funciona da seguinte maneira: o rejeito líquido de usinas nucleares é agregado ao betume aquecido em um extrusor evaporador – equipamento que permite a mistura dos dois, resultando num produto homogêneo e com baixas taxas de lixiviação. Solidificada, a mistura é colocada em tambores que podem ser armazenados em depósitos finais com segurança por até 300 anos.
Pela complexidade dos equipamentos e do processo, o projeto de Guzella só pode ser aplicado em usinas nucleares. Além de Angra 2, a usina de Goesgen, na Suíça, também usa betume para armazenar seus rejeitos desde o início da operação – porém, com o betume com características especificadas por estudos alemães.
“Sabemos que o projeto pode trazer benefícios econômicos e ambientais para o Brasil”, defende a engenheira. “A nossa obrigação é fazer com que a incorporação e o depósito atendam às necessidades regulamentadas, e não haja ameaças à população.”
Larissa Rangel
Ciência Hoje On-line