Assim caminhava a humanidade

56 pequenos passos podem ajudar a decifrar a trajetória do homem. Em meio às cinzas do vulcão Roccamonfina, na Itália, foram encontraram pegadas fossilizadas que podem ter pertencido a três humanos que desciam a encosta desse vulcão há mais de 300 mil anos. Essa é a conclusão de três pesquisadores coordenados por Paolo Mietto, da Universidade de Pádua (Itália), que analisaram os caminhos gravados na cinza e encontraram indícios de que eles foram feitos por hominídeos totalmente bípedes, que só usavam as mãos como apoio nas descidas íngremes.

À esq., trilha em zigue-zague com as mais antigas pegadas humanas (detalhe à dir.), encontradas na Itália (imagens: P. Mietto & Marco Avanzini)

As marcas deixadas nas cinzas vulcânicas já eram conhecidas pela população local, que as apelidou de ‘trilhas do diabo’ por considerá-las ‘sobrenaturais’. As pegadas têm cerca de 20 centímetros de comprimento e 10 de largura — o que indica que seus ‘donos’ deveriam ter, no máximo, 1 metro e meio — e formam três trilhas distintas. A primeira tem 27 pegadas ao longo de um caminho de 13,4 m feito em zigue-zague, provavelmente para amenizar a descida.

A segunda trilha tem 8,6 m de comprimento e 19 passos. Ao contrário da anterior ela desce reta, mas se inclina cerca de 45 graus para a direita no fim. Nela, existem evidências de um escorregão e ao lado da trilha aparece uma mão espalmada que deve ter sido usada para amparar na descida. Na última não existe sinal de desequilíbrio: ela é coberta por 10 passos que seguem uma linha reta de quase 10 m de comprimento.

 

Esquema de duas das três trilhas encontradas com pegadas com mais de 300 mil anos de idade, em meio às cinzas do vulcão Roccamonfina

“Embora as pegadas não revelem todos os padrões do bipedalismo, existem semelhanças suficientes para sustentar que eram realmente de humanos totalmente bípedes”, afirmam os pesquisadores no artigo na revista Nature de 13 de março que descreve a descoberta. Em alguns pontos das trilhas, pode-se perceber marcas claramente deixadas pelo calcanhar e tornozelo. Também foram notadas pequenas depressões que parecem ter sido deixadas por dedos do pé; em outros lugares a área central da pegada está erguida, o que indica que o pé que passou por ali estava arqueado.

 

A idade das pegadas foi determinada por comparação com as fases de desenvolvimento do vulcão, obtidas com técnicas radiométricas. O Roccamonfina se desenvolveu em três etapas, entre 630 e 50 mil anos atrás, quando extinguiu sua atividade. As pegadas aparecem na superfície de uma rocha provavelmente formada durante a segunda fase de evolução do vulcão, entre 385 e 325 mil anos atrás.

“O fato de todas as trilhas terem a mesma direção indica que os ‘donos’ das pegadas poderiam estar fugindo de uma erupção do Roccamonfina”, diz Mietto à CH on-line. “Mas infelizmente não é possível por ora provar essa hipótese atraente.”

Se a idade das pegadas for confirmada, é provável que elas tenham pertencido à espécie Homo heidelbergensis , surgida há cerca de 600 mil anos. Isso faz delas as mais antigas pegadas associadas ao gênero Homo , o mesmo dos homens atuais ( Homo sapiens ).

Gisele Lopes
Ciência Hoje on-line
13/03/03